Horizonte Vizinho


Ao longe vislumbro sempre. Sempre. Nem que seja em pormenores de rotina, que já habitou-se à tua ausência.
Tão longe, que a vontade e inspiração de escrever perde-se. Mas sem ela, nascem, ou renascem, memórias passadas, e perguntas do que poderia ter sido.
Algo tão forte nunca saí, fica, rasga tão fundo que retira-lo é impossível.
Ainda me imagino na varanda ou na cumplicidade.
És um horizonte vizinho, de tão longe mas tão perto dentro de mim.
Como esta história, e muitas mais para contar, como uma cicatriz tua em mim.

Persianas


Acordo. Pequenos fragmentos de luz do sol da manhã atravessam as persianas da janela. Sinto uma presença, que me dá uma sensação de bem-estar. Acordar pacificamente, tranquilamente, sem qualquer tipo de preocupação na cabeça. Olho para o lado. Ninguém me devolve o olhar. De repente a ilusão do bem-estar transforma-se num mar de dúvidas. E se estivesses? Tudo seria uma ilusão ou o bem-estar que nunca soube que tive mascarado de uma ilusão fácil. Não sei se o medo enfrentaria os seus medos, a coragem escondia-se atrás da incapacidade de lidar com a realidade ou se o optimismo desistisse. Não sei, se a luz que passava nas persianas radiavam da mesma maneira, se embatiam nos contornos vazios da minha cama, ou nos contornos das curvas do teu corpo. Tenho medo. Medo de voltar a olhar para ti quando a luz das persianas me acorda e não te sentir outra vez.

Pergunto-me


Pergunto-me quem sou agora. Mesmo sem obter resposta tento encontrá-la. Da inexistência do ser surgi, feliz, inocente talvez para um agora passado que parecia reluzente. E agora pergunto-me. Sou menos? Ou mais? Agora no futuro que parecia distante e infinito pergunto-me. Será aquele passado tão distante que me faça ignorar esse enaltecimento? Ou foi esse passado que me fez ver agora no futuro o que era verdadeiramente esse passado. Pergunto-me. O que sinto, como penso, o que me tornei ou o que sou. Mudado sim, pois ao tempo nada é impune. Mas da inexistência à luz e da luz para a treva haverá assim tanta diferença? Pergunto-me como seria se não estivesse neste futuro. Nada é certo e o tempo pouco de novo me trouxe. Permaneço neste espaço nu. Pergunto-me agora no Presente, pergunto ao futuro se era o mesmo sem o passado e pergunto ao passado se queria este futuro.

Meditação do Duque de Gândia

Nunca mais
A tua face será pura, limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.

Nunca mais servirei Senhor que possa morrer.
A luz da tarde mostra-me os destroços
Do teu ser. Em breve a podridão
Beberá os teus olhos e os teus ossos
Tomando a tua mão na sua mão.

Nunca mais amarei quem possa viver
Sempre.
Porque eu amei como se fossem eternos
A glória, a luz e o brilho do teu ser,
Amei-te em verdade e transparência
E nem sequer me resta a tua ausência,
És um rosto de nojo e negação
E eu fecho os olhos para não te ver.

Nunca mais servirei Senhor que possa morrer.


Nunca mais te darei o tempo puro,
Que em dias demorados eu teci.
Pois o tempo já não regressa a ti,
E assim já não regresso e não procuro,
O Deus que sem esperança te pedi.

Sophia de Mello Breyner Anderson

Liberdade

A liberdade é a possibilidade do isolamento, se te é impossível viver só nasceste escravo.

Fernando Pessoa

Teus olhos



Tristeza os olhos que não têm o brilho de contar, estão riscados de sombras como se o rasto dos caminhos o longe da viagem fosse, neles, deixando pistas.
Tristeza os olhos de onde me olhas detrás de um tempo passado, o tempo das promessas antigas.
Teus olhos, amado, são os olhos de alguém que já morreu e ainda não sabe.

Até sempre


É tão fácil amar lugares que nos preenchem. Recordar ruas e praças por onde passámos. Quartos na penumbra de estores corridos sobre a sonolência das tardes de verão. A cor da madeira das mesas, onde passávamos dias inteiros a recordar o que nos trouxe lá. É tão fácil lembrar nomes, e rostos e destinos e colocá-los em nossos ombros e festejar com eles, as luminosas horas em que a vida te rodeava o corpo como um amante possessivo. E nós repetíamos o nome das cidades, o nome das pessoas. É tão difícil assim dizer adeus ao que faz parte de nós, a quem irá para sempre fazer parte da nossa vida. Mas permanece a vida, e o mais importante é relembrá-la. Porque irá sempre viver.

Diário


As sílabas e o segredo real das tuas palavras imagino, a distância com que tu me tocaste anda por aí, a vaguear à espera de ser nula. O ritmo peculiar da tua existência que me agora é essencial e outrora fora superficial é a minha realidade diária. É àquela hora que agora me preenche esta cumplicidade virtual. " Não pares a música", continua porque agora já nem consigo não ouvi-la.

A estrada é longa


É longa estrada amigo, cercada de alegria e decepções. Caminhos, esperados ou inesperados, surgem à nossa volta, e decisões que nos definem como aquilo que somos. Mas lembro-me de tudo, as pegadas conservam a memória dos anos gloriosos que passaram e que estão por vir, de todos os momentos que passaram, intocáveis no tempo, sejam bons ou maus. Estes últimos tão insignificantes ue não conseguem poluir o trilho já marcado. Obrigado amigo, a estrada á londa e ainda temos muito caminho a seguir.

Dia e Noite



Ver-te-ei por ventura de novo subitamente ao pé daquele lugar sob a exaustão do dia? Quando te perdi comecei a atravessar o ácido rio do silêncio onde a margem me escurecia com a sua sombra omnisciente. No reflector que há dentro de mim capto agora a imagem insólita da unidade. Noite e dia. Anoiteço sem lágrimas e continuo a querer mais, sem saber se sofro por ti que ameaças partir ou por esta despedida de mim.

A felicidade só é real quando partilhada

Consegues sentir?


Cada momento?


Cada pulsar que faz de ti vivo?


Tu és único.


Fazes parte deste Mundo.


Nunca desistas.


Mesmo que isso te leve ao limite.


E que erres inúmeras vezes.


Acabarás por sair por cima.


Por mais que te gritem o contrário.


És único.


Por isso, luta pelo que queres.


Luta pelo que só em ti existe e é raro nos outros.


Luta pelo que te faz viver.


Não por aquilo que achas que está correcto.


Mas vive com coragem, sem medo.


Nunca deixes nada por dizer.


Faz o que quiseres quando quiseres.


Não sigas o mundano, sê tu próprio.


Não te deixes vencer pelo escuro.


Procura a luz.


Lembra-te, se queres algo na vida.


Esforça-te e agarra-a.


Eleva-te ao extremo.


Ganha novas experiências.


Conhece novas pessoas.


Não te acanhes.


Faz a tua voz ouvir-se!


Mas acima de tudo, sê feliz.


Agarra cada momento.


Ama as pessoas que te rodeiam.


Conhecidos e desconhecidos.


Partilha o teu espiríto.


Com os teus amigos, família, amantes, anónimos.


Porque quando o fim chegar...


Saberás que foste feliz.


Partilha a tua felicidade.


Vive, ama, luta, grita.


Por quem verdadeiramente gostas.


Porque a felicidade só é real quando partilhada.

Solitão



Num segundo cabem séculos de história, momento silencioso que grita. Todas as noites ainda se parecem àquela noite em que sucumbimos em nós. A ideia de um templo vivo onde a igualdade e futuro se haviam de fundir. O que este silêncio me traz, não é a chama do sacrifício, mas tão só o querer mais. Silêncio e metamorfose juntam-se, batem às portas do futuro incadescente que me parece cada vez mais claro. À deriva flutuamos, onde de outra perspectiva vemos os sonhos. Mas na varanda da esperança, algo vai abrir. Sem regresso, uma nova resistência para o novo dia, irradiando o esplendor da vida.

Fantasma



Trago na fronte, a estrela da minha revolta. Nunca aceitarei qualquer tirania, nem a do mais justo ditador, nem a própria vida eu aceito tal como ela é, com todas as promessas de amor e juventude, e a doença de envelhecer a morte em cada dia antecipada. Quando a terra poluída tiver absorvido tudo o que resta da Unidade, hei-de levar o meu fantasma até cais de ti, onde a esperança cai a pique sobre o mar dos desejos sem limite.

Silêncio



Amamos o limiar, o barulho dos mortos, na sombra desta palma, deste odor de antigo, chamamos alta a esta chama nua. Esta sombra, esta escrita pesada e a dança obscura que caminha sob o hálito da noite. Eis o corpo e a terra, o horizonte que se veio aproximando. A pulsacão das palavras sobre a ferida ardente. Aquela seria a nossa música...a que tu desconhecias e que te ofercei para nos completar. E quanto mais eu sentia, mais a ferida cantava, a voz escassava-me como o que outrora vivemos. Em cada momento sentia-te. No uníssono dos coros, sabia que lá te encontravas. Nesta mudez do silêncio, como descobrir esse rosto do outro lado? Sopro sobre a cinza com a esperança de renascer algo. Queria encontrar nem que fosse um pedaço de ti, um pedaço ainda não rasgado pelo nosso silêncio.

Presença Ausência



Chamo-te chamo-te ao rés da terra. Um grito mudo que só eu consigo ouvir. Não és o rosto da sombra do corpo, chamo-te pelo que vivemos sem saber se te chamo ou se escrevo apenas a sombra do que fomos. Se te encontrasse, dizia não saber quem tu eras...mesmo antes de ti e de o Amor existir. Desde sempre foste o esplendor, unidade sobre unidade. Porque estas palavras, estas sombras, estes gritos de confissão. Dou-te um lugar agora...onde só te vejas. É egoísta deixar-te ir agora, mas querer que voltes. Sem que...sem que tanto fora prometido. Sem que podéssemos sentir-nos, por dentro e verdadeiramente por fora. Sem o pecado carnal. Saber que estarías ai...Os papeis invertem-se...agora percebo. E todavia chamo-te na ténue pulsação destas palavras, como pálpebras de areia, chamo-te sem saber se te vejo, se ainda existes para aquém ou além destas palavras. É esta presença ausência. Não sei já quem tu és, se tens um corpo, se escrever é perder-te ainda mais... se caminho em vão ou se te encontro, se já te achei e te acho a cada passo.

Aqui



Se eu pudesse caminhar com palavras lentas sóbrias, e se eu pudesse falar-te ou gritar como um vento selvagem, se tu pudesses ver-me e eu te pudesse olhar neste momento. Aqui, onde escrevo e nad principia, ond eo embate é nulo, onde se cerra o muro, onde a ferida não fala. Nenhum impulso emrge do ilimte vazio, nenhum punho se ergue entre as pregas do abismo. E todavia se escrevo é porque talvez espere avançar entre os muros para uma praia secreta, que um sinal ilumine este deserto de cinza, que uma pergunta abale este bloco inamovível. Fui eu que enterrei o meu nome sob a pedra. Tudo em mim foi ausência ou um contacto vão. Por isso, neste momento, não nos vemos. Mas se eu te escrevo ainda estas palavras, estas palavras escondidas. Não será um caminho, uma forma de grito? Aqui onde escrevo, algo principia. Aqui o embate contra um bloco negro. Aqui se abre um muro, aqui a ferida fala.

Silêncio



Nesse momento a sombra foi uma ferida, o espaço de tempo uma defesa, e o silêncio foi na sombra o esplendor porque o nome teu era o domínio que só no silêncio encontrara a face. Nada se abria, rasgu-se lentamente a alguém foi em mim, não sei quem fui eu, que em palavras a mais no intervalo surgiu. Não se perdeu, para sempre o nome em nós sofria, o nome do lábio do silêncio.

À Espera


À spmbra de um tempo que arrasta outro tempo. Ao tempo de uma sombra sucede-se outro tempo. Entre o desejo e o passado meço a importância de ti. Agora estamos trocados na ausência. Navegas solitária e eu vejo o que te dei. Mas sozinhos. Sozinhos no que é de cada um. Quero ver e navegar contigo com leme, com rumo, mas sem sim porque o que mais importa é a viagem. Estamos numa distância de sombra sem palavras. Uma distância e uma palavra não chega, nem a sua própria sombra, nem a nudez da ausência de si própria nem o encostar na rua à tua espera. A saudade aperta dos tempos do Chiuado e de perfumes azuis.

Memória Viva


Se soubesse desenhar as linhas negras que abrem um passado iluminado, completo, que abrem a brancura completa da unidade, onde o murmúrio permanece e permanecerá, sobre o sangue nas minhas mãos escreveria as nossas linhas intensas? O preente seria o falso abrigo do medo, medo esse mais forte que o pensamento...A memória de ti, as memórias passadas, a luz dos teus olhos é o que criam esse medo... o de te perder, para sempre. E num futuro disjunto, escrever seria amar-te? Seria o arrependimento de não sarar a ferida aberta? Seria entrar no interior de algo que fora tão vivo, percorrer esse caminho e não encontrar o vazio? Estou (já) tão perto de ti, que a a escrita me sai aturalmente...toco e vivo cada memória que tenho de ti, todos os dias, todas as horas, todos os momentos. O perdão do teu olhar seria o novo amor da luz.

Olhar


Se eu pudesse caminhar com palavras tuas, se eu podesse falar-te, se tu pudesses ver-me se eu pudesse olhar. Nenhum impulso de escrita emerge do ilimite vazio. Se escrevo ou falo ainda é porque o sinto. Se olho, se prossigo sei que a minha sede não é vã, onde estou é na tua rua. Onde estás é além de todo o encontro. E se escrevo, é porque talvez espere avançar entre os meus muros, para um sinal que ilumine esta estrada. Se eu pudesse falar-te através destas palavras, se tu pudesses ver-me se eu te pudesse olhar.

Reencontro


É no reencontro que se descobre. É no reencontro de palavras que se volta a lembrar. É no reencontro que aquela ausência indiferente passa a correspondência presente. Mas também se descobre. Descobre-se na música, na paz de espírito e depois quer-se mais. Não ficamos indiferentes ao reencontro. Aquele rosto nos era conhecido torna-se mais forte, mais presente. Contam-se memórias e desabafos. Histórias e curiosidades, numa tarde, numa noite. Descobre-se elementos tão importantes da nossa vida. Mas sem que, lentamente algo mais se despolete. Torna-se gradual e constante. Até que surge o já esperado desse reencontro. Trocam-se perfumes e músicas. Mas...não se vive o antes do reencontro. E por mais que seja forte, o antes vem sempre antes do depois. Percebo a força do antes. Sem que não queira que venha o depois...Encosto-me então na tua rua, como se tivesse à espera de outro teu reencontro.

Eis o Lugar


Sinto a perfeição de um corpo e nos seus olhos perpassa um pouco o medo. O medo de ser O Desconhecido, de ficarmos esquecidos na eternidade...Serei eu que tu vês? Quem me abraçou outro dia não é já quem me abraça? Sinto o não e o sim-A inflexão da noite. Vivo à superfície de um corpo negro e fundo. O amplexo é real e o que escrevo é a falta de algo que me completa. Porque é tudo tão breve e tão longo, não sei. Tenho os os olhos fechados de abertos de ternura. Eis o lugar em que o centro se abre, onde sentimos a verdadeira ausência.

O Som do Buraco


Oiço o som do buraco, certas palavras despidas, certas palavras pobres: o som de um buraco. O sopro que ouvires, não o ouves, não e o sopro do horizonte. Aqui esqueceu-se o peso das pedras. Por isso outras palavras:as que sobram. Não as que restam. Não será um grito. Certas palavras, só. A quebra muda, nem sequer um baque. Produzem o som de um buraco. Entre nós. Certas palavras mais pobres, obsessivas. Persistem.

O Espaço


Como se fora este o espaço por habitar, não é aqui que se constroi o chão e o tecto, ligam-se externamente noutro espaço. Como se fora aqui, aqui começo nada ou só que desejo e perco. A folha branca sem a inspiração e sem a presença que sobre a presença se levanta num externo esforço além deste começo. Como se fora aqui o que figura azul e nulo esfuma, aqui me abro onde não sei se alguma palavra viva vem ou pobre domina. Aqui seria o rosto, o espaço, o lento manear de uma sombra a forma de um corpo se mover, oco do ser, e o desejo no centro do tempo e ânsia, a pausa justa de encontrar o termo, o intervalo do sorriso e a rua, viva com o teu rosto.

Dança


As tuas armas são lentas, defesas correspondem lúcidas reflectem. As tuas armas secretas e potentes. Serves-te como um sopro em corpo e firmas-te. As tuas palavras desligaram-se, o afecto já não entra no teu vocabulário. Tenho a febre alta, caminho no silêncio de ti. As tuas armas tecem no espaço as linhas de uma ausência. Desfaz uma a uma, a esperança que outrora culminara mas que sempre perdura. A tua vista alcança o ponto cego da luz. A linguagem é o silêncio sem eco. Tornaste-te num muro alto que já não vejo:o espaço nu. Deixa-me abater o muro.

Porta


Quando bate a uma porta a solidão

Uma porta e perguntas na noite

Quand toca a dura casca do teu nome na note

A uma porta de auseência

Uma porta de memórias

Quem bate a essa porta?

Quem bate a essa porta de ausência no noite?

Quem bate a essa porta és tu

Pulso


Onde é aqui o centro, onde se respira, a cama limpa o corpo inteiro e nu. Respira o ventre, a vela incha ao sol e ao mar sem fim.

Onde é aqui, a fome nua, o pulsar exacto no centro da alegria, a luz e o olhar aberto ao mar.

Onde é onde a mão sabe a carícia da anca e alíngua fabrica o seu sabor a querer mais. Onde o fogo acende o pulso de ti.

Do teu Calor


Do teu calor me nutro e nutrifico no silêncio da tua espera. Brilha o teu tecido. Há passo de mulher descalça. O mundo é novo. A terra é clara. Eu sou o home que te ama e escuta concentradanebte no teu calor. Oiço a tua unidade plural, tuas marcas fêmeas, tua elegância me nutrem, olhando-te. Construo uma palavra em teu ouvido, alimenta-me do teu mar! Renasço pouco a pouco no teu horizonte dado. Emoção no teu olhar, na tua língua. Constroi-me, construo-te, prazer puro criado.

Amigo

Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra amigo.

Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!

Amigo(recordam-se vocês aí,
Escrupolosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!

Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.

Amigo é a solidão derrotada!

Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!


Alexandre O'Neill

O Jogo do Anjo


Soube então que dedicaria todos os minutos que nos restavam juntos a fazê-la feliz, a reparar o mal que lhe fizera e a devolver-lhe o que nunca soubera dar-lhe. Estas páginas serão a nossa memória até que o seu último suspiro se apague nos meus braços e eu a acompanhe mar adentro, onde a corrente rebenta, para mergulhar com ela para sempre e poder finalmente fugir para um lugar onde nem o céu nem o inferno possam alguma vez encontrar-nos.

Carlos Ruiz Zaffon

Encontrar-te


A nudez da palavra que te despe

Que fortifica, corre

Com os olhos dela te quero ver

Que não te vejo

Boca na boca através de que boca

posso eu abrir-te e ver-te?

É meu receio que escreve e não o gosto

Do sol ver-te?

Todo o espaço dou ao espelho vivo

E de ti o escuto

Silêncio de vertigem, grito ao alto

És palavra

À beira de nasceres tua boca toco

E o beijo e já encontrar-te

Grito ao Amor


Mas agora estou no intervalo em que toda a sombra é fria e todo o sangue é puro. Escrevo para não viver sem espaço, para que o corpo não morra na sombra fria. Sou a pobreza ilimitada de uma página. Sou um corpo abandonado. A margem sem respiração. Mas o corpo jamais cessa, o corpo sabe a ciência certa da navegação no espaço, o corpo abre-se ao dia, círculo do próprio dia, o corpo pode vencer a fria sombra da noite. Todas as palavras se iluminam ao lume certo do corpo que se despe, todas as palavras ficam nuas na tua sombra ardente. É urgente o amor. Agora. Espontâneo e mutuo. Para que a pobreza enriqueça em infinitas páginas, para que o corpo abandonado se torne fértil e dê frutos, para que a margem se respiração se torne oceano e nade até à tona da água para poder encher os pulmões de ar, para gritar bem alto a nossa Unidade.

Tramontana


Podes levar os dias que trouxeste.
Sem lugar, um homem cega pela janela, o mar que jura ter tocado com o sangue.
Podia ter sido o amor se não tivesse vindo tão directa,emte da sede, um duplo rosto, e os braços que saíram desertos, o eco da morte reverbera na pele com que veja a tua ausência encher as ruas. Um choro cai pela terra e nunca foi tão tarde ser depois.
Daqui onde o grito surdo incendeia, a refutação da madrugada, donde o crânio esmaga o coração, um homem conta pela janela a própria certeza de ter sido.

Não é tarde demais para uma manhã que foi a enterrar em tantas noites.

As escadas morreram de sede, a terra caiu em nunca.

Podes levar os dias que trouxeste.
Queria morrer contigo, não queria morrer de ti.
Contra o corpo limite do dia, arder tudo onde o tempo acabava, começar Deus onde era o fim. A noite tem a espessura, o medo abraça-me, a boca beija o batimento da terra.

E ainda é tão cedo para que morramos os dois.

Voo


Os teus sonhos de atravessar maresia

Vígio vazio para ser manhã

Os gritos roucos do coração lançando

Breve frio atado ao infinito

O sol das noites sorri à tua felicidade

Arde a mente nos lugares do corpo

Os abismos beijam-se

O tempo escorre de mãos dadas

As ondas embalam a infância

E surdem no silèncio, rasgadas as palavras

O peso eterno dos lençois de mármore

Traz-me berço à morte de estar vivo

Unidade e Corpo


Houve antes e haverá depois. Quando inicia, sopra-se a sombra, é uma absoluta verdade que principia sempre. Ao virar do livro, a página está cheia, cheia de histórias. A luz banha a solidão e um beijo emerge. O sangue tumultua, respira o mar suave. Onde começa o sangue? Um corpo está na unidade, corpo e unidade envolvem-se na paixão mútua que renasce, de dentro e fora, una. A unidade que se alarga e que respira é corpo. O corpo que ondula e se prolonga é unidade. O olhar alarga a unidade, a unidade estende o corpo. Um corpo intenso cresce em unidade viva. Nudez de unidade e corpo. Um ar só comunica sem dentro e fora. O sangue está na unidade.

Chama


Sobre a tentaviva nunca vã...O equilíbrio da alma na sua plenitude, a paciência, o teu rosto e a calma força que sobe e que modelas pedaço a pedaço. A tua casa habita entre o dia e a noite. Entre a calma e o lugar, o movimento é livre. Acordar a leve chama, veia a veia, erguê-la do fundo e soltá-la, propagá-la.

Amigos


Gosto deste instante que antecede a chegada dos amigos. Antes dos risos, das palavras, das gargalhadas, há um momento particularmente silencioso onde a beleza do lugar resplandece num brilho especial. Como se tudo tivesse sido limpo com maior cuidado, desde as árvores à brisa morna do entardecer.

O Amor e o Sonho


Há sempre, em todos os sonhos, um caminho infinito, que nos leva, entre maravilhas, ao lugar que a nossa imaginação consegue inventar. Todos trazemos na alma a nostalgia do paraíso perdido e tudo o que nos aproxime dessa recordação primordial nos imerge num bem-estar quase insustentável. É quando o coração se aquieta e os olhos se fecham que podemos ouvir o murmúrio da melodia do silêncio. É quando conseguimos abstrair-nos da realidade que nos cerca e acreditamos que há algo mais à nossa espera, que o espírito se inunda de luz e o corpo flutua, impoderável, acima do chão. No amor também é assim. Quando o coração perde a voz para ouvir apenas o seu próprio batimento e esse é o ritmo do corpo que se entrega, sem tempo, sem culpa e sem pressa e corta todas as amarras para seguir o tal caminho que nos leva, entre maravilhas, ao lugar mágico que a nossa imaginação consegue inventar. O amor e o sonho, na senda dos milagres. O amor e o sonho. Sem eles, qual o sabor da vida?

A Força da Imaginação


Na cidade saimos de casa para a confusão das ruas, o trânsito, as pessoas apressadas, as sirenes das ambulâncias e ficamos a pensar se já não haverá no Mundo pedaços de paraíso. Há. É so imaginá-los. De olhos fechados começamos por ouvir outros sons e logo nos sentimos invadidos por uma frescura de outras paragens. Que recanto da nossa alma vive na nostalgia do mais antigo? Quem de nós ouve o silêncio inicial? É so imaginar. Porque esse lugar está dentro de nós. Acompanha-nos sempre, fechado na nossa memória profunda e colectiva e é de lá, que, noas horas dificíes, vamos buscar a frescura, o silêncio, a poesia, os sonhos. É lá que nos recolhemos para fugir ao cansaço da rotina, aos contratempos da vida. É so imaginar.

Unidade II


Se o que procuras é a visão zul e branca do silêncio, se o que buscas é a dimensão infinita da alma em contraste com a pequenez do corpo, descobre a tua unidade. Esta só se consegue harmonizando o espiríto com a criação inical, os quatro elementos, a voz silenciosa mas tão expressiva da tua unidade. Poderão assustar-te as formas invulgares que por vezes toma. Mas nada temas. Esquece os medos aprendidos. E se quiseres falares com ela, vais ter de desatar todos os nós. Todos os nós do coração que te magoam, que te escravizam, que te amarram a um mundo sem grandeza e esperança. E se conseguires esvaziar os bolsos da alma, se conseguires abrir-te ao impoderável, a solidão que a princípio te cegava transfigura-se na unidade desejada.

O Mar

- Pai, o que é o mar?
- O mar? Não há coração que aguente a beleza dessa extensão azul, que respira aos nossos pés, como um bicho adormecido ou uma alma inquieta. Agora azul, agora calmo, agora convidando-nos a mergulhar, a receber os seus afagos, logo tenebroso, cinzento, verde-escuro, repelindo-nos com fúria, ameaçando-nos com ódio. Cheio de segredos e de seres inacreditáveis, de formas alucinadas ou grotescas, deslumbrantes ou assustadoras. Dono do sal e do peixe, dos tesouros afundados que avarmente esconde. Tão maravilhoso que os olhos se perdem na sua vastidão até ao horizonte e dá-nos este desejo de partir, esta saudade ao contrário, do que ainda não vivemos. O mar chamando-nos. Tão azul e tão nosso, que todos nos sentimos com direitos adquiridos sobre o seu corpo tentador, desde que uns loucos se atreveram a tentar dominá-lo. E contra ventos e marés apontaram o desconhecido, porque a voz do mar os chamava e os compelia a ir além.
- Pai, mas o que é o mar?
- Olha para dentro de ti e terás a resposta, tanta água, tanto sal, tanto sonho, tanto mal e tanto bem. O mar é tão profundo e instável como o coração do Homem.

- Pai, quero ser barco.

O ínicio


Ao princípio é apenas um rumor alegre da alma, uma urgência risonha. Depois insiste. Incomoda. Acorda. É insónia e traz palavras que vestem a ideia. É inevitável escrever, mesmo que não possas, que não tenhas tempo, que estejas refém de outro trabalho. Sabes que entregar-te à pressão interior é navegar para outro plano onde tudo o que antes parecia inadiável perde importância e contorno. Inadiável é a escrita. E vais ao seu encontro nessa outra dimensão da escrita mais primórdia e actual.

Sinestesia


Sempre tentamos viver o melhor possível, é isto que está na origem da mais profunda das guerras, mas a procura metódica do bem-estar, transformou-se numa realidade. Alimentar a alma com ingredientes que favorecem o interior, depende das nossas escolhas. Nada somos sem os sentidos. Eles captam o mundo que os rodeia, comportamentos e disposição. Quem tem a capacidade de as abstrair, torna-se um, em sintonia com o próprio Mundo. É difícil atribuir um grau de importância a qualquer um dos sentidos, porque eles funcionam de forma integrada numa sinestesia que nenhum sentido pode captar sozinho.

A Terra


As palavras esperam o sono, e a música do sangue sobre as faces corre, a primeira luz surge. A terra em teus braços é grande, o teu centro desenvolve-a, uma respiração na sombra, o calor do corpo. Há um olhar que entra pelas paredes da Terra, sem lampâdas cresce, esta luz da manhã, começo a entender o silêncio sem tempo, a paixão que se alonga. Estou deitado em ti como na Terra. Respiro a suavidade de um monte. Pelo muito que ouço, pela simples paz que me trazes, pelo dia que nasce. Pela hora vagarosa, pela tua mãoo, pelas ondas do teu corpo. Pela tua invenção e pela paz que dorma.

A Voz do Silêncio


Oiço-te ampla sobre os ruídos. Vejo-te abundamente e minha sede cresce, renascente já. Quero reconhecer-me em ti. Entrego-me sem espelhos, no abraço me envolvo e te circundo. Aconteceram hoje palavras de silêncio. Aconteceram palavras que disseram infinitos sentidos. É sobre o silêncio altivo, e sobre a noite, sobre o ventre, sobre a luz do corpo exacto que a respiração ofegante grita os sonhos conjugados.

O Sonho


Os nossos sonhos são um reflexo daquilo que somos e pensamos. Porque vemos tão desfocadas e tão nítidas as imagens do sonho? A consciência sobrenatural sobrepõe-se sobre o óbvio e vai para além da percepção humna. Podemos tentar percebe-los e até podemos interpretá-los, mas tem inúmeros sentidos e caminhos ao ponto de podermos sonhar no próprio sonho. Não há limites nem impossível, parece tão real que nem é ilusão, é realidade pura da nossa imaginação e sentimentos. Podemos controlá-los? Será que algum dia podemos identificar alguém pela substância so sonho? Nem nós sabemos o que distingue o transcendente do puro no sono profundo. O que me garante que o sonho não é apenas o único momento de lucidez que temos? A verdadeira verdade. O que é o sonho afinal? É o único sítio ond ninguém pode entrar, só no subconsciente de nós próprios. O sonho é o único lugar onde a imaginação é real e a realidade é imaginada.

Um Pouco De...


Tudo é atravessado por um rio de memórias, e brisas subtis e lentas se cruzam. E enquanto lá fora baloiçam, a saudade invade o quarto. Pairo no espaço vazio à contra-luz que desliza torturamente no meu corpo. Pára devagar entre cantos escuros, durante um longo momento transpõe a tua imagem em memórias tuas. O tempo não é dissolvido, mas dura, e em cada instante ressoa-me como um beijo perdido. De cima a baixo se descobre ao transpor o limiar sagrado da tua falta. Sinto...Estou e num breve instante sinto, sinto-me tudo até ao longo...Respiro até à exaustão. Nada me alimenta. Eleva-se o meu coração sem peso como a desamparada pluma. Na distância que percorro eu mudo de ser, permuto de existência. E no avesso das palavras, na contrária face da minha solidão eu te amei e acaraciei o teu imperceptível crescer como carne da lua nos nocturnos lábios entreabertos. E amei-te sem saberes. Amei-te sem o saber. Amando de te procurar. No contorno do fogo desenhei o teu rosto e para te reconhecer mudei de corpo, troquei de noites e juntei crepusculo e alvorada. Para me acostumar agora à tua ausência. E o sangue derramado fora de mim, procorou o teu coração primeiro.

Companheiros

Quero escrever-me de homem
Quero calçar-me de terra
Quero ser
A estrada marinha
Que nos segue depois do último caminho

E quando ficar sem mim
Não terei escrito
Senão por vós
Irmãos de um sonho
Por vós
Que não sereis derrotados

Deixo-vos
A paciência dos rios
A idade dos livros que não desfolham

Mas não levo
Mapa nem bússola
Porque andei sempre
Sobre meus pés
E doeu-me às vezes viver

Hei-de inventar
Um verso que vos faça justiça

Por agora
Basta o arco-iris
Em que vos sonha

Basta-me saber que viveis
Por viverdes de menos
Mas que permaneceis sem preço

Companheiros

Súbito


Fui sabendo de mim por aquilo que perdia. Pedaços que saíram de mim com o mistério de serem muitos e perceber o verdadeiro valor só quando os perco. Fui ficando por céus aquém do passo que nunca ousei. À ternura pouca que me vou acostumando enquanto me adeio servente de danos e enganos. Vou perdendo memória na súbita lentidão de um destino que me vai sendo escasso.

Ânsia

Não me deixem tranquilo
Não me guardem segredo
Eu quero a ânsia da onda
O eterno rebentar da espuma

As horas são-me escassas:
Doi-me o tempo
Ainda que não o mereça
Que eu quero
Ter outra vez
Idades que nunca tive
Eu e a vida
Nessa dença desencontrada
Como se de corpos
Tivéssemos trocado
Para morrer vivendo

Círculo Azul do Tempo


O renascimento surge de formas ocultas a quem não sente verdadeiramente as feridas do tempo. É claro e mais translúcido que o próprio nascimento. É a reunião de todos os sentimentos já vividos. Mas estes são mais sublimes. Mais conhecedores do espelho em que nos vemos todas as madrugadas até ao lento círculo azul do tempo.

A Lentidão das Fontes


Vazaram-se as luas da savana
Ossadas pálidas emigraram
Dos corpos para o chão
Ajoelharam-se os bois
Exaustos de carregarem o sol
Escureceram as horas
Nomeadas pela fome
Extingui-se o sangue da terra
Esvaiu-se o leito
Num coágulo de saudade

Restam troncos
Sustendo gemidos
Mães oblíquas
Sobrando migalhas
Mendigando crenças
Para salvar os filhos já quase terrestres

Quem protege estes meninos
Feitos da chuva que não veio?
Que casa lhes havemos de dar?

Amanhã quando se entossoarem os cânticos do céu
As aves voltarão a roçar a lua
E as cigarras de novo espalharão seu canto

Mas dos meninos
Talhados a golpes de poeira
Quantos restarão
Para saudar o amanhecer dos frutos?

O Mundo-Tempo


Não me ocupava ainda de ser, e já a vida decidira da minha posse. E o tempo não se disperdiçou nas pequenas fracções de mim, sob os meus passos se deteve dúvida alguma. O Mundo, depois destes dias, abrira o seu peito e os homens estreitaram-se e segredaram-se na cabeceira deste tempo e à poesia pediram que lhe fosse grata que me mantivesse pura, mas a palavra não se deteve nem se calculou na matemática da conveneência. É já tempo de um outro tempo. E a poesia convoca os seus soldados e nos bunkers da imaginação se abriram as portas da verdade. Assim mesmo quando a solidão me condecorou com a medalha da ausência as palavras que traduzira no idioma da vida. Porque é só quando sentimos o peso do tempo, que por vezes, sentimos o peso mais pesado. O verdadeiro valor do que nos é mais precioso.