Memória Viva


Se soubesse desenhar as linhas negras que abrem um passado iluminado, completo, que abrem a brancura completa da unidade, onde o murmúrio permanece e permanecerá, sobre o sangue nas minhas mãos escreveria as nossas linhas intensas? O preente seria o falso abrigo do medo, medo esse mais forte que o pensamento...A memória de ti, as memórias passadas, a luz dos teus olhos é o que criam esse medo... o de te perder, para sempre. E num futuro disjunto, escrever seria amar-te? Seria o arrependimento de não sarar a ferida aberta? Seria entrar no interior de algo que fora tão vivo, percorrer esse caminho e não encontrar o vazio? Estou (já) tão perto de ti, que a a escrita me sai aturalmente...toco e vivo cada memória que tenho de ti, todos os dias, todas as horas, todos os momentos. O perdão do teu olhar seria o novo amor da luz.

Olhar


Se eu pudesse caminhar com palavras tuas, se eu podesse falar-te, se tu pudesses ver-me se eu pudesse olhar. Nenhum impulso de escrita emerge do ilimite vazio. Se escrevo ou falo ainda é porque o sinto. Se olho, se prossigo sei que a minha sede não é vã, onde estou é na tua rua. Onde estás é além de todo o encontro. E se escrevo, é porque talvez espere avançar entre os meus muros, para um sinal que ilumine esta estrada. Se eu pudesse falar-te através destas palavras, se tu pudesses ver-me se eu te pudesse olhar.

Reencontro


É no reencontro que se descobre. É no reencontro de palavras que se volta a lembrar. É no reencontro que aquela ausência indiferente passa a correspondência presente. Mas também se descobre. Descobre-se na música, na paz de espírito e depois quer-se mais. Não ficamos indiferentes ao reencontro. Aquele rosto nos era conhecido torna-se mais forte, mais presente. Contam-se memórias e desabafos. Histórias e curiosidades, numa tarde, numa noite. Descobre-se elementos tão importantes da nossa vida. Mas sem que, lentamente algo mais se despolete. Torna-se gradual e constante. Até que surge o já esperado desse reencontro. Trocam-se perfumes e músicas. Mas...não se vive o antes do reencontro. E por mais que seja forte, o antes vem sempre antes do depois. Percebo a força do antes. Sem que não queira que venha o depois...Encosto-me então na tua rua, como se tivesse à espera de outro teu reencontro.

Eis o Lugar


Sinto a perfeição de um corpo e nos seus olhos perpassa um pouco o medo. O medo de ser O Desconhecido, de ficarmos esquecidos na eternidade...Serei eu que tu vês? Quem me abraçou outro dia não é já quem me abraça? Sinto o não e o sim-A inflexão da noite. Vivo à superfície de um corpo negro e fundo. O amplexo é real e o que escrevo é a falta de algo que me completa. Porque é tudo tão breve e tão longo, não sei. Tenho os os olhos fechados de abertos de ternura. Eis o lugar em que o centro se abre, onde sentimos a verdadeira ausência.

O Som do Buraco


Oiço o som do buraco, certas palavras despidas, certas palavras pobres: o som de um buraco. O sopro que ouvires, não o ouves, não e o sopro do horizonte. Aqui esqueceu-se o peso das pedras. Por isso outras palavras:as que sobram. Não as que restam. Não será um grito. Certas palavras, só. A quebra muda, nem sequer um baque. Produzem o som de um buraco. Entre nós. Certas palavras mais pobres, obsessivas. Persistem.

O Espaço


Como se fora este o espaço por habitar, não é aqui que se constroi o chão e o tecto, ligam-se externamente noutro espaço. Como se fora aqui, aqui começo nada ou só que desejo e perco. A folha branca sem a inspiração e sem a presença que sobre a presença se levanta num externo esforço além deste começo. Como se fora aqui o que figura azul e nulo esfuma, aqui me abro onde não sei se alguma palavra viva vem ou pobre domina. Aqui seria o rosto, o espaço, o lento manear de uma sombra a forma de um corpo se mover, oco do ser, e o desejo no centro do tempo e ânsia, a pausa justa de encontrar o termo, o intervalo do sorriso e a rua, viva com o teu rosto.

Dança


As tuas armas são lentas, defesas correspondem lúcidas reflectem. As tuas armas secretas e potentes. Serves-te como um sopro em corpo e firmas-te. As tuas palavras desligaram-se, o afecto já não entra no teu vocabulário. Tenho a febre alta, caminho no silêncio de ti. As tuas armas tecem no espaço as linhas de uma ausência. Desfaz uma a uma, a esperança que outrora culminara mas que sempre perdura. A tua vista alcança o ponto cego da luz. A linguagem é o silêncio sem eco. Tornaste-te num muro alto que já não vejo:o espaço nu. Deixa-me abater o muro.

Porta


Quando bate a uma porta a solidão

Uma porta e perguntas na noite

Quand toca a dura casca do teu nome na note

A uma porta de auseência

Uma porta de memórias

Quem bate a essa porta?

Quem bate a essa porta de ausência no noite?

Quem bate a essa porta és tu

Pulso


Onde é aqui o centro, onde se respira, a cama limpa o corpo inteiro e nu. Respira o ventre, a vela incha ao sol e ao mar sem fim.

Onde é aqui, a fome nua, o pulsar exacto no centro da alegria, a luz e o olhar aberto ao mar.

Onde é onde a mão sabe a carícia da anca e alíngua fabrica o seu sabor a querer mais. Onde o fogo acende o pulso de ti.

Do teu Calor


Do teu calor me nutro e nutrifico no silêncio da tua espera. Brilha o teu tecido. Há passo de mulher descalça. O mundo é novo. A terra é clara. Eu sou o home que te ama e escuta concentradanebte no teu calor. Oiço a tua unidade plural, tuas marcas fêmeas, tua elegância me nutrem, olhando-te. Construo uma palavra em teu ouvido, alimenta-me do teu mar! Renasço pouco a pouco no teu horizonte dado. Emoção no teu olhar, na tua língua. Constroi-me, construo-te, prazer puro criado.

Amigo

Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra amigo.

Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!

Amigo(recordam-se vocês aí,
Escrupolosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!

Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.

Amigo é a solidão derrotada!

Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!


Alexandre O'Neill

O Jogo do Anjo


Soube então que dedicaria todos os minutos que nos restavam juntos a fazê-la feliz, a reparar o mal que lhe fizera e a devolver-lhe o que nunca soubera dar-lhe. Estas páginas serão a nossa memória até que o seu último suspiro se apague nos meus braços e eu a acompanhe mar adentro, onde a corrente rebenta, para mergulhar com ela para sempre e poder finalmente fugir para um lugar onde nem o céu nem o inferno possam alguma vez encontrar-nos.

Carlos Ruiz Zaffon

Encontrar-te


A nudez da palavra que te despe

Que fortifica, corre

Com os olhos dela te quero ver

Que não te vejo

Boca na boca através de que boca

posso eu abrir-te e ver-te?

É meu receio que escreve e não o gosto

Do sol ver-te?

Todo o espaço dou ao espelho vivo

E de ti o escuto

Silêncio de vertigem, grito ao alto

És palavra

À beira de nasceres tua boca toco

E o beijo e já encontrar-te

Grito ao Amor


Mas agora estou no intervalo em que toda a sombra é fria e todo o sangue é puro. Escrevo para não viver sem espaço, para que o corpo não morra na sombra fria. Sou a pobreza ilimitada de uma página. Sou um corpo abandonado. A margem sem respiração. Mas o corpo jamais cessa, o corpo sabe a ciência certa da navegação no espaço, o corpo abre-se ao dia, círculo do próprio dia, o corpo pode vencer a fria sombra da noite. Todas as palavras se iluminam ao lume certo do corpo que se despe, todas as palavras ficam nuas na tua sombra ardente. É urgente o amor. Agora. Espontâneo e mutuo. Para que a pobreza enriqueça em infinitas páginas, para que o corpo abandonado se torne fértil e dê frutos, para que a margem se respiração se torne oceano e nade até à tona da água para poder encher os pulmões de ar, para gritar bem alto a nossa Unidade.

Tramontana


Podes levar os dias que trouxeste.
Sem lugar, um homem cega pela janela, o mar que jura ter tocado com o sangue.
Podia ter sido o amor se não tivesse vindo tão directa,emte da sede, um duplo rosto, e os braços que saíram desertos, o eco da morte reverbera na pele com que veja a tua ausência encher as ruas. Um choro cai pela terra e nunca foi tão tarde ser depois.
Daqui onde o grito surdo incendeia, a refutação da madrugada, donde o crânio esmaga o coração, um homem conta pela janela a própria certeza de ter sido.

Não é tarde demais para uma manhã que foi a enterrar em tantas noites.

As escadas morreram de sede, a terra caiu em nunca.

Podes levar os dias que trouxeste.
Queria morrer contigo, não queria morrer de ti.
Contra o corpo limite do dia, arder tudo onde o tempo acabava, começar Deus onde era o fim. A noite tem a espessura, o medo abraça-me, a boca beija o batimento da terra.

E ainda é tão cedo para que morramos os dois.

Voo


Os teus sonhos de atravessar maresia

Vígio vazio para ser manhã

Os gritos roucos do coração lançando

Breve frio atado ao infinito

O sol das noites sorri à tua felicidade

Arde a mente nos lugares do corpo

Os abismos beijam-se

O tempo escorre de mãos dadas

As ondas embalam a infância

E surdem no silèncio, rasgadas as palavras

O peso eterno dos lençois de mármore

Traz-me berço à morte de estar vivo

Unidade e Corpo


Houve antes e haverá depois. Quando inicia, sopra-se a sombra, é uma absoluta verdade que principia sempre. Ao virar do livro, a página está cheia, cheia de histórias. A luz banha a solidão e um beijo emerge. O sangue tumultua, respira o mar suave. Onde começa o sangue? Um corpo está na unidade, corpo e unidade envolvem-se na paixão mútua que renasce, de dentro e fora, una. A unidade que se alarga e que respira é corpo. O corpo que ondula e se prolonga é unidade. O olhar alarga a unidade, a unidade estende o corpo. Um corpo intenso cresce em unidade viva. Nudez de unidade e corpo. Um ar só comunica sem dentro e fora. O sangue está na unidade.

Chama


Sobre a tentaviva nunca vã...O equilíbrio da alma na sua plenitude, a paciência, o teu rosto e a calma força que sobe e que modelas pedaço a pedaço. A tua casa habita entre o dia e a noite. Entre a calma e o lugar, o movimento é livre. Acordar a leve chama, veia a veia, erguê-la do fundo e soltá-la, propagá-la.

Amigos


Gosto deste instante que antecede a chegada dos amigos. Antes dos risos, das palavras, das gargalhadas, há um momento particularmente silencioso onde a beleza do lugar resplandece num brilho especial. Como se tudo tivesse sido limpo com maior cuidado, desde as árvores à brisa morna do entardecer.

O Amor e o Sonho


Há sempre, em todos os sonhos, um caminho infinito, que nos leva, entre maravilhas, ao lugar que a nossa imaginação consegue inventar. Todos trazemos na alma a nostalgia do paraíso perdido e tudo o que nos aproxime dessa recordação primordial nos imerge num bem-estar quase insustentável. É quando o coração se aquieta e os olhos se fecham que podemos ouvir o murmúrio da melodia do silêncio. É quando conseguimos abstrair-nos da realidade que nos cerca e acreditamos que há algo mais à nossa espera, que o espírito se inunda de luz e o corpo flutua, impoderável, acima do chão. No amor também é assim. Quando o coração perde a voz para ouvir apenas o seu próprio batimento e esse é o ritmo do corpo que se entrega, sem tempo, sem culpa e sem pressa e corta todas as amarras para seguir o tal caminho que nos leva, entre maravilhas, ao lugar mágico que a nossa imaginação consegue inventar. O amor e o sonho, na senda dos milagres. O amor e o sonho. Sem eles, qual o sabor da vida?

A Força da Imaginação


Na cidade saimos de casa para a confusão das ruas, o trânsito, as pessoas apressadas, as sirenes das ambulâncias e ficamos a pensar se já não haverá no Mundo pedaços de paraíso. Há. É so imaginá-los. De olhos fechados começamos por ouvir outros sons e logo nos sentimos invadidos por uma frescura de outras paragens. Que recanto da nossa alma vive na nostalgia do mais antigo? Quem de nós ouve o silêncio inicial? É so imaginar. Porque esse lugar está dentro de nós. Acompanha-nos sempre, fechado na nossa memória profunda e colectiva e é de lá, que, noas horas dificíes, vamos buscar a frescura, o silêncio, a poesia, os sonhos. É lá que nos recolhemos para fugir ao cansaço da rotina, aos contratempos da vida. É so imaginar.

Unidade II


Se o que procuras é a visão zul e branca do silêncio, se o que buscas é a dimensão infinita da alma em contraste com a pequenez do corpo, descobre a tua unidade. Esta só se consegue harmonizando o espiríto com a criação inical, os quatro elementos, a voz silenciosa mas tão expressiva da tua unidade. Poderão assustar-te as formas invulgares que por vezes toma. Mas nada temas. Esquece os medos aprendidos. E se quiseres falares com ela, vais ter de desatar todos os nós. Todos os nós do coração que te magoam, que te escravizam, que te amarram a um mundo sem grandeza e esperança. E se conseguires esvaziar os bolsos da alma, se conseguires abrir-te ao impoderável, a solidão que a princípio te cegava transfigura-se na unidade desejada.

O Mar

- Pai, o que é o mar?
- O mar? Não há coração que aguente a beleza dessa extensão azul, que respira aos nossos pés, como um bicho adormecido ou uma alma inquieta. Agora azul, agora calmo, agora convidando-nos a mergulhar, a receber os seus afagos, logo tenebroso, cinzento, verde-escuro, repelindo-nos com fúria, ameaçando-nos com ódio. Cheio de segredos e de seres inacreditáveis, de formas alucinadas ou grotescas, deslumbrantes ou assustadoras. Dono do sal e do peixe, dos tesouros afundados que avarmente esconde. Tão maravilhoso que os olhos se perdem na sua vastidão até ao horizonte e dá-nos este desejo de partir, esta saudade ao contrário, do que ainda não vivemos. O mar chamando-nos. Tão azul e tão nosso, que todos nos sentimos com direitos adquiridos sobre o seu corpo tentador, desde que uns loucos se atreveram a tentar dominá-lo. E contra ventos e marés apontaram o desconhecido, porque a voz do mar os chamava e os compelia a ir além.
- Pai, mas o que é o mar?
- Olha para dentro de ti e terás a resposta, tanta água, tanto sal, tanto sonho, tanto mal e tanto bem. O mar é tão profundo e instável como o coração do Homem.

- Pai, quero ser barco.

O ínicio


Ao princípio é apenas um rumor alegre da alma, uma urgência risonha. Depois insiste. Incomoda. Acorda. É insónia e traz palavras que vestem a ideia. É inevitável escrever, mesmo que não possas, que não tenhas tempo, que estejas refém de outro trabalho. Sabes que entregar-te à pressão interior é navegar para outro plano onde tudo o que antes parecia inadiável perde importância e contorno. Inadiável é a escrita. E vais ao seu encontro nessa outra dimensão da escrita mais primórdia e actual.

Sinestesia


Sempre tentamos viver o melhor possível, é isto que está na origem da mais profunda das guerras, mas a procura metódica do bem-estar, transformou-se numa realidade. Alimentar a alma com ingredientes que favorecem o interior, depende das nossas escolhas. Nada somos sem os sentidos. Eles captam o mundo que os rodeia, comportamentos e disposição. Quem tem a capacidade de as abstrair, torna-se um, em sintonia com o próprio Mundo. É difícil atribuir um grau de importância a qualquer um dos sentidos, porque eles funcionam de forma integrada numa sinestesia que nenhum sentido pode captar sozinho.

A Terra


As palavras esperam o sono, e a música do sangue sobre as faces corre, a primeira luz surge. A terra em teus braços é grande, o teu centro desenvolve-a, uma respiração na sombra, o calor do corpo. Há um olhar que entra pelas paredes da Terra, sem lampâdas cresce, esta luz da manhã, começo a entender o silêncio sem tempo, a paixão que se alonga. Estou deitado em ti como na Terra. Respiro a suavidade de um monte. Pelo muito que ouço, pela simples paz que me trazes, pelo dia que nasce. Pela hora vagarosa, pela tua mãoo, pelas ondas do teu corpo. Pela tua invenção e pela paz que dorma.

A Voz do Silêncio


Oiço-te ampla sobre os ruídos. Vejo-te abundamente e minha sede cresce, renascente já. Quero reconhecer-me em ti. Entrego-me sem espelhos, no abraço me envolvo e te circundo. Aconteceram hoje palavras de silêncio. Aconteceram palavras que disseram infinitos sentidos. É sobre o silêncio altivo, e sobre a noite, sobre o ventre, sobre a luz do corpo exacto que a respiração ofegante grita os sonhos conjugados.

O Sonho


Os nossos sonhos são um reflexo daquilo que somos e pensamos. Porque vemos tão desfocadas e tão nítidas as imagens do sonho? A consciência sobrenatural sobrepõe-se sobre o óbvio e vai para além da percepção humna. Podemos tentar percebe-los e até podemos interpretá-los, mas tem inúmeros sentidos e caminhos ao ponto de podermos sonhar no próprio sonho. Não há limites nem impossível, parece tão real que nem é ilusão, é realidade pura da nossa imaginação e sentimentos. Podemos controlá-los? Será que algum dia podemos identificar alguém pela substância so sonho? Nem nós sabemos o que distingue o transcendente do puro no sono profundo. O que me garante que o sonho não é apenas o único momento de lucidez que temos? A verdadeira verdade. O que é o sonho afinal? É o único sítio ond ninguém pode entrar, só no subconsciente de nós próprios. O sonho é o único lugar onde a imaginação é real e a realidade é imaginada.