O Mar

- Pai, o que é o mar?
- O mar? Não há coração que aguente a beleza dessa extensão azul, que respira aos nossos pés, como um bicho adormecido ou uma alma inquieta. Agora azul, agora calmo, agora convidando-nos a mergulhar, a receber os seus afagos, logo tenebroso, cinzento, verde-escuro, repelindo-nos com fúria, ameaçando-nos com ódio. Cheio de segredos e de seres inacreditáveis, de formas alucinadas ou grotescas, deslumbrantes ou assustadoras. Dono do sal e do peixe, dos tesouros afundados que avarmente esconde. Tão maravilhoso que os olhos se perdem na sua vastidão até ao horizonte e dá-nos este desejo de partir, esta saudade ao contrário, do que ainda não vivemos. O mar chamando-nos. Tão azul e tão nosso, que todos nos sentimos com direitos adquiridos sobre o seu corpo tentador, desde que uns loucos se atreveram a tentar dominá-lo. E contra ventos e marés apontaram o desconhecido, porque a voz do mar os chamava e os compelia a ir além.
- Pai, mas o que é o mar?
- Olha para dentro de ti e terás a resposta, tanta água, tanto sal, tanto sonho, tanto mal e tanto bem. O mar é tão profundo e instável como o coração do Homem.

- Pai, quero ser barco.

O ínicio


Ao princípio é apenas um rumor alegre da alma, uma urgência risonha. Depois insiste. Incomoda. Acorda. É insónia e traz palavras que vestem a ideia. É inevitável escrever, mesmo que não possas, que não tenhas tempo, que estejas refém de outro trabalho. Sabes que entregar-te à pressão interior é navegar para outro plano onde tudo o que antes parecia inadiável perde importância e contorno. Inadiável é a escrita. E vais ao seu encontro nessa outra dimensão da escrita mais primórdia e actual.

Sinestesia


Sempre tentamos viver o melhor possível, é isto que está na origem da mais profunda das guerras, mas a procura metódica do bem-estar, transformou-se numa realidade. Alimentar a alma com ingredientes que favorecem o interior, depende das nossas escolhas. Nada somos sem os sentidos. Eles captam o mundo que os rodeia, comportamentos e disposição. Quem tem a capacidade de as abstrair, torna-se um, em sintonia com o próprio Mundo. É difícil atribuir um grau de importância a qualquer um dos sentidos, porque eles funcionam de forma integrada numa sinestesia que nenhum sentido pode captar sozinho.

A Terra


As palavras esperam o sono, e a música do sangue sobre as faces corre, a primeira luz surge. A terra em teus braços é grande, o teu centro desenvolve-a, uma respiração na sombra, o calor do corpo. Há um olhar que entra pelas paredes da Terra, sem lampâdas cresce, esta luz da manhã, começo a entender o silêncio sem tempo, a paixão que se alonga. Estou deitado em ti como na Terra. Respiro a suavidade de um monte. Pelo muito que ouço, pela simples paz que me trazes, pelo dia que nasce. Pela hora vagarosa, pela tua mãoo, pelas ondas do teu corpo. Pela tua invenção e pela paz que dorma.

A Voz do Silêncio


Oiço-te ampla sobre os ruídos. Vejo-te abundamente e minha sede cresce, renascente já. Quero reconhecer-me em ti. Entrego-me sem espelhos, no abraço me envolvo e te circundo. Aconteceram hoje palavras de silêncio. Aconteceram palavras que disseram infinitos sentidos. É sobre o silêncio altivo, e sobre a noite, sobre o ventre, sobre a luz do corpo exacto que a respiração ofegante grita os sonhos conjugados.