Um Pouco De...


Tudo é atravessado por um rio de memórias, e brisas subtis e lentas se cruzam. E enquanto lá fora baloiçam, a saudade invade o quarto. Pairo no espaço vazio à contra-luz que desliza torturamente no meu corpo. Pára devagar entre cantos escuros, durante um longo momento transpõe a tua imagem em memórias tuas. O tempo não é dissolvido, mas dura, e em cada instante ressoa-me como um beijo perdido. De cima a baixo se descobre ao transpor o limiar sagrado da tua falta. Sinto...Estou e num breve instante sinto, sinto-me tudo até ao longo...Respiro até à exaustão. Nada me alimenta. Eleva-se o meu coração sem peso como a desamparada pluma. Na distância que percorro eu mudo de ser, permuto de existência. E no avesso das palavras, na contrária face da minha solidão eu te amei e acaraciei o teu imperceptível crescer como carne da lua nos nocturnos lábios entreabertos. E amei-te sem saberes. Amei-te sem o saber. Amando de te procurar. No contorno do fogo desenhei o teu rosto e para te reconhecer mudei de corpo, troquei de noites e juntei crepusculo e alvorada. Para me acostumar agora à tua ausência. E o sangue derramado fora de mim, procorou o teu coração primeiro.

Companheiros

Quero escrever-me de homem
Quero calçar-me de terra
Quero ser
A estrada marinha
Que nos segue depois do último caminho

E quando ficar sem mim
Não terei escrito
Senão por vós
Irmãos de um sonho
Por vós
Que não sereis derrotados

Deixo-vos
A paciência dos rios
A idade dos livros que não desfolham

Mas não levo
Mapa nem bússola
Porque andei sempre
Sobre meus pés
E doeu-me às vezes viver

Hei-de inventar
Um verso que vos faça justiça

Por agora
Basta o arco-iris
Em que vos sonha

Basta-me saber que viveis
Por viverdes de menos
Mas que permaneceis sem preço

Companheiros

Súbito


Fui sabendo de mim por aquilo que perdia. Pedaços que saíram de mim com o mistério de serem muitos e perceber o verdadeiro valor só quando os perco. Fui ficando por céus aquém do passo que nunca ousei. À ternura pouca que me vou acostumando enquanto me adeio servente de danos e enganos. Vou perdendo memória na súbita lentidão de um destino que me vai sendo escasso.

Ânsia

Não me deixem tranquilo
Não me guardem segredo
Eu quero a ânsia da onda
O eterno rebentar da espuma

As horas são-me escassas:
Doi-me o tempo
Ainda que não o mereça
Que eu quero
Ter outra vez
Idades que nunca tive
Eu e a vida
Nessa dença desencontrada
Como se de corpos
Tivéssemos trocado
Para morrer vivendo

Círculo Azul do Tempo


O renascimento surge de formas ocultas a quem não sente verdadeiramente as feridas do tempo. É claro e mais translúcido que o próprio nascimento. É a reunião de todos os sentimentos já vividos. Mas estes são mais sublimes. Mais conhecedores do espelho em que nos vemos todas as madrugadas até ao lento círculo azul do tempo.

A Lentidão das Fontes


Vazaram-se as luas da savana
Ossadas pálidas emigraram
Dos corpos para o chão
Ajoelharam-se os bois
Exaustos de carregarem o sol
Escureceram as horas
Nomeadas pela fome
Extingui-se o sangue da terra
Esvaiu-se o leito
Num coágulo de saudade

Restam troncos
Sustendo gemidos
Mães oblíquas
Sobrando migalhas
Mendigando crenças
Para salvar os filhos já quase terrestres

Quem protege estes meninos
Feitos da chuva que não veio?
Que casa lhes havemos de dar?

Amanhã quando se entossoarem os cânticos do céu
As aves voltarão a roçar a lua
E as cigarras de novo espalharão seu canto

Mas dos meninos
Talhados a golpes de poeira
Quantos restarão
Para saudar o amanhecer dos frutos?

O Mundo-Tempo


Não me ocupava ainda de ser, e já a vida decidira da minha posse. E o tempo não se disperdiçou nas pequenas fracções de mim, sob os meus passos se deteve dúvida alguma. O Mundo, depois destes dias, abrira o seu peito e os homens estreitaram-se e segredaram-se na cabeceira deste tempo e à poesia pediram que lhe fosse grata que me mantivesse pura, mas a palavra não se deteve nem se calculou na matemática da conveneência. É já tempo de um outro tempo. E a poesia convoca os seus soldados e nos bunkers da imaginação se abriram as portas da verdade. Assim mesmo quando a solidão me condecorou com a medalha da ausência as palavras que traduzira no idioma da vida. Porque é só quando sentimos o peso do tempo, que por vezes, sentimos o peso mais pesado. O verdadeiro valor do que nos é mais precioso.

Ave Negra


Começo a chorae do que não finjo porque me vi de caminhos por onde nunca fui e regressei sem ter nunca partido para o norte aceso no arremesso da esperança. Nessas noites em que da sombra me disfarcei e incitei os objectos na procura de outra cor, encoragei-me a um luar sem pausa. E vencendo o temoi que se faz tarde disse: o meu corpo começa aqui e apontei para o nada...porque me havia convertido ao sonho de ser igual aos que não são nunca iguais. Faltou-me viver onde estava, mas ensinei-me a não estar completamente onde estive, e a cidade dormindo em mim não me ouviu entrar na cidade que em mim despertava. Houve lágrimas que não matei porque me fiz de gestos que não prometi. E na noite abrindo-me como toalha generosa servi-me do meu desassossego e assim me acrescentei.

Voz da Infância


Sou agora menos eu. E os sonhos que sonhara ter, acordaram em teu leito. Que me dera acontecer essa morte, de que não se morre. Porque em tempos perdi a audácia do meu próprio destino, saltando a ânsia. E agora sinto. Sofro do que não sofri. E anoiteço, vivendo na vida os erros que me desertaram. Ofereço o mar que em mim se abre à viagem mil vezes adiada. De quando em quando me perco e de mim me desencontro, como se o eco das mãos e a casa dos gestos, me olhassem com todos os olhos opacos e vazios. Assim me debruço. Sobre a janela e escolho a minha própria neblina que me permite ouvir o leve respirar das pequenas coisas sepultadas em silêncio. E eu invento o que escrevo, escrevendo para me inventar e tudo me acorda, porque tudo desperta a secreta voz da infância.

O Desejo de Ser

Entre o desejo de ser
E o receio de parecer
O tormento da hora cindida

Na desordem do sangue
A aventura de sermos nós
Restitui-nos ao ser
Que sempre fomos.

Aproximo-me da noite, e o silêncio abre os seus passos escuros, como que um buraco que absurve escuridão e luz. Esta deveria ser a hora em que me recolheria como um poente no bater do teu peito. Mas a solidão entra pelos meus vidros e nas suas mãos solto o meu delírio. É então que surges, com teus passos de Mulher, os teus sonhos guiando-me por corredores infinitos e regressando aos espelhos onde a vida te encarou.

Um Poema me rezou

Para que Deus me escrevesse
Entortei as linhas do tempo

Passaram os sete dias do infinito
E Deus não me palavreou

Nessa espera
Sonhei de vês
E divinizei a palavra

Como Deus me sempre desedenreçou
Fui caindo em desabismos
Desguarnecido de anjo
E em tudo quanto fui
Só demónio me guardou

Então veio a suspeita
Deus já não acredita em nada?

Até que, certa vez
Um poema me rezou
E assim me confortei
A justa palavra
Talvez restasse a crença
De um Deus em nós

Pedi licença à morte
Pedi perdão à vida
Mas não tive notícia
De quem eu queria que me salvasse

E ainda hoje
Só quem reza
Lê as linhas entortadas da poesia

Pergunta-me


Pergunta-me, se ainda és o meu fogo, se acendas ainda o minuto de cinza. Se despertas a ave magoada que cai no ramo do meu sangue. Pergunta-me se o vento não traz nada, se o vento tudo arrasta. Se na quietude do lar repousam a fúria de mil raios. Pergunta-me se te voltei a encontrar, de todas as vezes que me detive junto das pontes enevoadas, e se eras tu, quem eu via, na infinita dispersão do meu ser. Se eras tu que reunias pedaços do meu poema, reconstruíndo a folha rasgada na minha mão crente. Qualquer coisa, pergunta-me qualquer coisa, uma tolice, um mistério indecifrável, simplesmente para que eu saiba que queres ainda saber, para que mesmo sem te responder saibas o que te quero dizer.

Um dia...


Magoa-me a saudade do sobressalto dos corpos, ferindo-se de ternura. Doi-me a distância lembrança do teu vestido caindo aos nossos pés. Magoa-me a saudade do tempo em que te habitava como o sol ocupa o mar como a luz reconlhendo-se nas pupilas desatentas. Seja eu de novo tua sombra, teu desejo, tua noite sem remédio, tua virtude, tua carência. Eu que longe de ti sou fraco, eu que já fui água, sou agora gota trémula. Traz de novo a transparência de água. Dá ocupação à minha ternura vadia, mergulha os teus dedos no feitiço do meu peito e espanta a maneira a que sempre renunciaste e volta a ser aquilo que foste um dia.

Tanta


Hoje cheguei e não havia o teu sonho reconfortando-me. Fiquei triste e sem coragem. Não é possível tu estares comigo e isso rouba-me o coração. Este desejo de te querer junto a mim é um desejo egoísta, eu sei. Faço-te esta confissão de egoísmo para que saibas, que te amo de todas as maneiras que sei amar. E mesmo assim sinto que não sei amar, que me falta estar vivo. Quero que respeites esta insuficiente maneira de amar de mim. E que me recordes por trás de cada coisa transformada há sempre uma gota de sangue:Tudo resulta da luta, mesmo que essa luta tenha sido apenas interior e aparente.

Troço


Lágrimas soltaram-se dos teus dedos quando anunciaste este troço de tempo. E eu que habitara lugares secretos e me embriagara com os teus gestos, recolhi as palavras vagabundas como a tempestade que engole os barcos porque ama os pescadores. Impossível agora que gravaste o teu sabor sobre o súbito e infinito parto do tempo. Por isso te toco, no chão e na terra, na poeira e da luz a minha mão reconhece a tua face idilíca. E quando o Mundo suspira exausto e desfila entre ondas e ruas eu escuto sempre a voz que é embalada do dia à noite perdida no tempo.

Carta aos amigos mortos


Eis que morrestes, agora já não bate o vosso coração cujo bater dava ritmo e esperança ao meu viver. Agora estais perdidos para mim-o olhar não atravessa essa distância-Nem irei procurar-vos pois não sou Orpheu, tendo escolhido para mim estar presente aqui onde estou vivo. Eu vos desejo paz nesse caminho fora do mundo que respiro e vivo. Porém aqui eu escolhi viver. Nada me resta senão país de dor e incerteza. Aqui eu escolhi permancer, onde a visão é dura e mais dificil. Aqui me resra apenas fazer frente ao rosto sujo do ódio e da injustiça. A lucidez me serve para ver. A cidade a cair por muro e as faces a morrerem uma a uma. E a morte que me conta, ela me ensina que o sinal do Homem não é uma coluna. E eu vos peço por este amor cortado, que vos lembreis de mim lá onde o amor já não pode morrer sem ser quebrado. Que o vosso coração que já não bate, o tempo denso de sangue e de saudade, nos vive a perfeição da claridade. Se compadeça de mim e de meu pranto. Se compadeça de mim e de meu canto.

Suave


Diz o meu nome, pronuncia-o como se as sílabas te beijassem os lábios, sopra-o com a suavidade de uma confidência para que o escuro apeteça, para que se desatem os teus cabelos, para que aconteça... Porque sou eu dentro de ti que bebe a última gota e te conduzo a um lugar sem tempo nem contorno. Porque apenas para os teus olhos sou gesto e cor, e dentro de ti me recolho, exausto dos combates que a mim próprio venci. Porque a mina mão procura o interior e o avesso da aparência, porque o que vivo, morre de ser ontem. Inventar, outra maneira de navegar, putro rumo e pulsar para dar esperança aos portos que aguardaram pensativos. No centro da noite diz o meu nome, como se fosse da primeira vez, da mais antiga diferença simétrica e me sobressalte, quando suavemente pronunciares o meu nome.

Quo vadis?


Quo vadis? Status quo, habeas corpus carpe diem. Quo vadis? Cogito ergo sum, habeas corpus acta alea est, bona fide fiat lux.

Antologia


Voltar a percorrer o imenso dos caminhos, reencontrar a palavra sem endereço e contra o peito insuficiente, oferecer a lágrima que não nos defende. Recolher as marcas, os sinais passageiros da loucura e adormecer pela derradeira vez nos lençois que anoitecemos. Reencontrar secretamente o fugaz encanto, o perfeito momento em que a carne tocou a fonte, e o sangue fora de mim, procorou o teu coração primeiro.

Relógio


Nenhum igual àquele. A hora no pulso é furtiva e calma, a hora na incidência da luz é silenciosa. Impossível dormir, se não a escuto. Ficar acordado sem a sua batida. Cada hora é fixada no ar, na alma continuando a sonhar...onde não há mais ninguém, ela chefa e sente a melodia da noite. Som para ser ouvido do tempo da vida. Imenso no pulso, este relógio vive comigo.

Comboio Mágico


Há algo de mágico naquele comboio. As velhas linhas férreas até ao horizonte. Quando se entra na estação surge sempre das falhas entre o comboio e o chão aquele nevoeiro rasteiro circulante que arrepia e com um frio característico de viagem. Desde o início até ao destino pretendendido aquele som, quase melódico do peso do comboio sobre o caminho a tomar. E pela janela podemos ver o nosso reflexo à noite, porém de dia vemos para o outro lado da nostalgia, uma luz eterna de viagem.

La magique Edith Piaf

Cet air qui m'obsède jour et nuit
Cet air n'est pas né d'aujourd'hui
Il vient d'aussi loin que je viens
Traîné par cent mille musiciens
Un jour cet air me rendra folle
Cent fois j'ai voulu dire pourquoi
Mais il m'a coupé la parole
Il parle toujours avant moi
Et sa voix couvre ma voix
Padam...padam...padam...
Il arrive en courant derrière moi
Padam...padam...padam...
Il me fait le coup du souviens-toi
Padam...padam...padam...
C'est un air qui me montre du doigt
Et je traîne après moi comme un drôle d'erreur
Cet air qui sait tout par cœur
Il dit: "Rappelle-toi tes amours
Rappelle-toi puisque c'est ton tour
'y a pas d'raison pour qu'tu n'pleures pas
Avec tes souvenirs sur les bras...
" Et moi je revois ceux qui restent
Mes vingt ans font battre tambour
Je vois s'entrebattre des gestes
Toute la comédie des amours
Sur cet air qui va toujours
Padam...padam...padam...
Des "je t'aime" de quatorze-juillet
Padam...padam...padam...
Des "toujours" qu'on achète au rabais
Padam...padam...padam...
Des "veux-tu" en voilà par paquets
Et tout ça pour tomber juste au coin d'la rue
Sur l'air qui m'a reconnue
...
Écoutez le chahut qu'il me fait
...
Comme si tout mon passé défilait
...
Faut garder du chagrin pour après
J'en ai tout un solfège sur cet air qui bat...
Qui bat comme un cœur de bois...

Gota

Penetra na pele
O negro mais negro
Do que já foi
Se o que em ti
Tem outro verso
Que rasgues com a
Mais afiada faca

Cara memória
Que no primitivo
Escrever era o refúgio
Onde abrigavas
Gota de compreensão

A Saudade vem enrolada
Em misteriosos trejeitod
E bate sem avisar.

Que ser?


Nada grita tão frio
Como a mais cruel sensação
Do sonho real
Esquecido no chão dos imortais

Sabe-se que transmite medo
Alegria, desejo ou ira
Mas este, de todas as percepções
Desejo que seja mentira

Ver-te entre outros versos
Ou amares mais
É a sintonia desfeita
Inquebrável, porém partida

Sabes o que é querer voltar ao toque?
Para remediar a frieza
Mostrar-te o verdadeiro sentimento
Que não sei exprimir

Tive esta opurtunidade...
Quer ser sou eu?
Que nem capaz de demonstrar amor sou?
Sei, mas não de maneira que te completa

Não consigo imaginar
Nem visualizar
Tiraram-te a flor que não eu...
Agarrares o corpo e dizer que amas
Soltares os orgasmos
Que não foram soltos
Que te entregues totalmente

A Janela Existe


Janelas que espelham o que é nosso. Espeham tudo. Nosso medo, nosso choro, molduras para os espaços ambíguos que aceitam enquadrar-se pelo tempo de uma contemplação. À flor da janela, uma imaginação encostou para acenar a outra. A janela está à frente e por detrás dela, não há detrás, há outra janela, e outra e outra. No mesmo enquadramento, na mesma dimensão num plano único. A janela está suspensa no espaço, guarda-vento para não entrar nem sair. Não precisamos que nos batam com ela, que para quem respira o mesmo ar, A Janela Existe.

Daqui


Bate à porta...porém fui abrir e nada. Cardíaco e melancólico ronca entre desejos. Pulou o muro e subiu à árvore em tempo de trepar. Daqui vejo vejo o sangue espalhado, renascido, mas às vezes nunca sara. Daqui vejo almas, vejo beijos que se beijam e ouço mãos que se tocam e que viajam em mapa. Vejo muitas outras coisas que não ouso compreender...Vozes que ouvi, entre grades solenes de êxtase. Talvez no território acusado entre a espuma, onde respira uma criança apenas. E que presságios viu desenrolar! Hora infinda sepultada na mais sargente areia que os pés pisam, pisam e que por sua vez desaparecem. De novo essas vozes...Não as escondas, guarda-as em tom sagrado ou grita-as em tom do Mundo. O ar crispa-se de ouvi-las e para além do tempo que ressoam, remos batem a água transfigurada. Correntes tombam. Eis que ressurge o antigo, o novo; o que do nada extrai vida, de verdade que nutre. Eis que a posse abolida na de hoje reflete-se e quantos desses diam soluçaram e que habitam e soluçam.

Ítaca

Quando abalares, de ida para Ítaca,
Faz votos por que seja longa a viagem,
Cheia de aventuras, cheia de experiências.
E quanto aos Lestrigões, quanto aos Ciclopes,
O irado Poséidon, não os temas,
Disso não verás nunca no caminho,
Se o teu pensar guardares alto, e uma nobre
Emoção tocar tua mente e corpo.
E nem os Lestrigões, nem os Ciclopes,
Nem o fero Poséidon hás­‑de ver,
Se dentro d'alma não os transportares,
Se não tos puser a alma à tua frente.

Faz votos por que seja longa a viagem.
As manhãs de verão que sejam muitas
Em que o prazer te invada e a alegria
Ao entrares em portos nunca vistos;
Hás­‑de parar nas lojas dos fenícios
Para mercar os mais belos artigos:
Ébano, corais, âmbar, madrepérolas,
E sensuais perfumes de todas as sortes,
E quanto houver de aromas deleitosos;
Vai a muitas cidades do Egipto
Aprender e aprender com os doutores.

Ítaca guarda sempre em tua mente.
Hás­‑de lá chegar, é o teu destino.
Mas a viagem, não a apresses nunca.
Melhor será que muitos anos dure
E que já velho aportes à tua ilha
Rico do que ganhaste no caminho
Não esperando de Ítaca riquezas.

Ítaca te deu essa bela viagem.
Sem ela não te punhas a caminho.
Não tem, porém, mais nada que te dar.

E se a fores achar pobre, não te enganou.
Tão sábio te tornaste, tão experiente,
Que percebes enfim que significam Ítacas.


Cavafy

Paixão


Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo, mas estou cheio de falta de algo. Minhas lembranças escorrem e o corpo transige na confluência do amor. Provisoriamente não cantámos a paixão que se refugiou no subterrâneo. Cantarei o medo que esteriliza a falta de ter. Não cantares a falta de não ter, porque essa cantada nada enaltece. É tempo de encontro. É tempo de partilha. Querer mais no vestido branco e rosa que cobre a imensa paixão. A escuridão não se estende, vai-se iluminando nas nossas mãos, pois estas são as partes mais íntimas, a paixão, a pulsação e o ar da unidade é estrumamente necessário para continuar naquela não coincidência. Tempo de cinco (ou mais) sentidos num só. Voar sobre tempo perdido e abraçar o agora nos porões e histórias da paixão.

Entrega


No chão me deito à maneira dos imortais. Estou no escuro, entre a luz nocturna da janela. Quero tocar-te na pele, avaliar o calor, ver o silêncio e deslizar sobre teu corpo.

Verso

Rimar é complicado
É mais difícil do que parece
Este verso já é forçado!
Já nada enaltece.

Não é nada fácil
Rimar com as letras
Tenho a cabeça a mil
Tudo isto não passa de tretas

Parece feito por uma criança
Estas palvras feitas à pressa
Não é hino, não é lema

Nem sequer tenho esperança
De pontificar esta peça,
Nem de ser lido este poema!

Palácio do Vento


De tempo em tempo mergulham alegres na lagoa. Lá em cima ouve-se sombrios uivos de loucura por de trás das portas há seculos fechadas. Horizontais caminhos de vento para o palácio. E gritos de pecado de água morta que apelam à pureza. A proa corta passados, o mastro eleva-se ao sentimento do tempo e conta uma história. História por vezes dorme, funda em vagos descendentes, onde filia tristeza. Mas ao olhar o Palácio do Vento a História desdobra o pedalar eufórico e ergue-se! Ar livre, contigo, para podermos traçar ao som do vento um quadro à beira-mar!

(Im)possível


Impossível cantar-te, como cantei as melodias do frio, na atomosfera rarefeita de sonho sem percurso. Impossível tomar íngreme caminho, de aventura mental da solitária imaginação. Desenhar-te numa estrela, neste céu ínfame, dizer-te em versos de linguagem poética. Impossível não tentar dizer-te, com as muitas palavras que tenho, que vives o meu sonho. Impossível não te dizer amo-te.

Passos


Os passos de uma manhã triunfante rogam ao longe da vertigem que trás a noite. Nosso sonho mantido e intímo no silêncio da noite do murmúrio. Ouvem-se em suspiros vagos, os dias vorazes da paixão, da viagem, do percurso inteminável do coração longo. Sonhando mesmo quando o sonho ignorado recua até ao mais intímo de cada um de nós, é gemido sem boca, luz que nem aos olhos chega. É esperança. a margem dos dias é palavra que se tem, sobre quatro paredes do tempo, o admiravel silêncio a defende com o sorriso, gesto e lágrima. O teu nome até as coisas o sabem, elas também gritam por ti, na curva exemplar do tempo;estão hoje em ti, são hoje o teu nome, levamtam-se contigo na vertigem, no tumulto. O amor desfolha e alicerça o sublime nos braços teus de um tempo novo. Relógio do eterno que desliza sobre delicados ponteiros de lágrima e os vivos traços da nossa unidade.

Sombra do Vento


O ar circulará, na arquitectura das tuas palavras, no contraluz de um sol já desde o abrir dos teus olhos ao teu grito. É pelo ar que o canto ressoa e vai crescendo à procura de renovadas palavras. O ar vai e vem, como um cego que vê os trapos do corpo. Porém vê ternura, e revolta-se vindi do além ao contrário, em sentido proibido da paixão. Ele luta e prossegue, precipita o novo ser, corre à nossa frente e grita. Grito até ao esplendor das ruas e asas do vento. Sangue liberto em ti, esse luar de vida, este rompante tempo nossa que hora a hora é vivido no sonho eterno.

Dor Saudade

Numa sinestesia de sons silenciosos e visões cegas a dor desponta. Porém é a saudade que fica. Daquelas manhãs, tardes e noites. Tenho saudades das tuas histórias, da tua sensibilidade. É difícil viver sem a nossa unidade, tu viveste dez meses sem o avô. No dia em tua memória foi feito em tuan honr. Na vila, lágrimas de tristeza inundavam as ruas de preto simples. Até ao teu repuso, um caminho lento tão sentido. Estarás sempre no meu coração, ensinaste-me muito. Hoje escrevo em tua honra, avó.

Eternidade

Vens a mim
grande como um deus,
frágil como a terra,
viva como o amor,
verdadeira como a luz,
e eu recebo-te para a invenção da minha grandeza,
para rodeio da minha esperança
e pálpebras de astros nus.
Hoje nasceste outra vez.
Vem comigo.

Jorge de Sena

Madrugada Azul


Deitado na areia, a olhar o azul ainda me enche o corpo, do que houve para fazer ganhar o nosso, do que houve para alcançar o céu. Mas este onde estou, de azul e areia, nos abalança de risos e histórias. Agora só preciso de azul, de tudo o que o céu possa oferecer-me. É madrugada, poderosa a luz arruva-se, conquistando o espaço de um sorriso numa janela da ternura de amantes abraçados, dormindo na madrugada contra o azul do céu.

Idílio

Quando nós vamos ambos, de mãos dadas,
Colher nos vales lírios e boninas,
E galgamos dum fôlego as colinas
Dos rocios da noite inda orvalhadas;

Ou, vendo o mar das ermas cumeadas
Contemplamos as nuvens vespertinas,
Que parecem fantásticas ruínas
Ao longo, no horizonte, amontoadas:

Quantas vezes, de súbito, emudeces!
Não sei que luz no teu olhar flutua;
Sinto tremer-te a mão e empalideces

O vento e o mar murmuram orações,
E a poesia das coisas se insinua
Lenta e amorosa em nossos corações.


Antero de Quental

Abre


Enquanto a vela respirava, ela sentia. Que pedaço de luz enche eu com ela e com a vela? Estamos enredados mos baraços do eternamente, nos lacetes do já passado e do corpo no presente. A vida é de escolhas, forra-me a alma com o relento de um sentimento teu. Abre os olhos que eu já me escolhi em ti.

Love Language


This language.

Sometimes and always is thee language of love.

The words become more kind,

soft to our love.

Homem


Daqui vejo o mesmo céu que tu vês. É uniforme no infinito profundo e paralelo do horizonte. Puro mistéio único, que nem nos quer mostrar o tempo real, só o do passado. Mas se olharmos bem, num rasto de verdade podemos ver o presente, nunca o futuro mas o presente é real.

Um homem sente-se um homem quando há espontaniadade, aqueles movimentos conhecidos, os lugares descobertos, as músicas reveladas e o mais de tudo, o toque quente do corpo. Mas por vezes o ultimo momento é o que fica...é esse momento que fica guardado na memória. Por vezes é bom, por vezes não. Mas ao sentir este ultimo momento, é melhor que todos os outros. Parece contraditório?Parece. Mas quando um homem que fora e é homem, ao revelar vagas, marés, para que seja mais "desafiante" esse homem, fica mais homem.

Janela dos Sonhos

É na expansão do espiríto que te vejo. A tua boca sorri como um presente. A nossa sorte eleva-se ao vento. Escreve os teus desejos todos, eles voam com as lágrimas do céu numa tempestade, a tempestade dp beijo. Essência de maresia nos sonhos. Estás aqui. Respiramos este ar, invulgar e oculto, sente-se a tua presença ao olhar para a tua janela aberta. Para entrarem os sonhos, para afastar os medos do teu reflexo que uma vez paraste e ao espelho foste à utopia. Nessa janela são derramadas lágrimas, não sabe a razão. por vezes precisamos de chorar para afogar quiçã medos, quiçá tristezas. A tua presença e como um chamamento, para ir à tua janela e afastar os teus medos e abraçar-te. No meu céu, a luz distorcida surge, mas vens clara dessa obscuridade de sinestegia. Mulher de finos lábios em que o infinito deposita os seus sonhos. A luz da minha alma ilumina passados meus que tu abraças-te. À noite grito para o vento com a minha rouquidão, para os próprios olhos das estrelas. Elas por vezes descem, em forma de desejo e aí a nossa alma renasce e o sonho começa de novo.

Dias Dificeís


Como é por vezes tão difícil escrever. Mas é uma necessidade. São lembranças. Aquelas que fazem sorrir, as com história. São emoções, aquelas que trazem saudade tua. Há dias dificeís de escrever. Hoje é um deles.

Chuva

Vida

"Ser velho é ter a vida cheia de anos, eu tive os anos cheios de vida."

Dr.Moniz Pereira

Irmão

Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra "primo"
Primo é sorriso, de boca em boca, olhar bem limpo
Um coração pronto e pulsar na nossa mão
Primo é solidão derrotada
Primo é grande tarefa, um espaço útil, um tempo fértil
Primo foi, é e vai ser para sempre irmão.

Deja Vu


O que é um deja vu? Fragmento de passado guardado na memória que desponta quando o nosso olhar capta algo semelhante? Algo que já devia ter acontecido e só aconteceu no momento em que o captamos? Ou algo que vemos novamente porque a felicidade não chega para um só momento? É algo místico. Pura magia antiga. Ainda estou à procura do truque para este ilusinismo ou falsa memória. Vão sendo cada vez mais fortes, até que um dia terei na mão a chave do passado, mas esta apenas abrirá para uma pergunta: o que é um deja vu?

Livre Comigo


Por vezes tens de te deixar levar. Voa, tira os pés do chão. Agarra-te a algo e sobrevoa todos os teus medos. Não terás vertigem. Não fiques parada, sentada à espera. Age, luta. Queres ir? Queres ficar? Podes ir, mas o meu porto é este, posso-me afogar, mas é o meu cais. O Navegador nunca deixa o seu barco. O escritor volta sempre para a terra natal ou para a praia final. Não vejas os teus demónios, não vejas só em frente dos teus olhos, olha à volta. Tanta coisa que nem o papel merece ser escrito. O Mundo está à espera que nasças outra vez, livre comigo.

Os olhos são eternos


Sentes os teus olhos?
São eternos.
Eternos na vida, não mudam, mas porém, com um olhar ou lágrima são imortais na paixão.
Os meus estão inundados.
Consegues sentir?
A minha tristeza derrama sobre o teu corpo?
Os olhos são eternos.
Através dos teus vejo os meus, reflexo de simetria, retrato de unidade.
Ou será ilusão?
Ou será simplesmente horizonte caído a meus pés?
Só nos olhos podemos ver tudo.
Os olhos são eternos

Surpresa


Estás na minha presença e de repente um escuro que me agrada e ruídos agrestes que não me permitem a audição. Para onde vou pergunto.Nesta ultima viagem. Não oiço nem vejo nada perante o deslocamento de mim. Tiram-me a venda...broto de lágrima...de repente todo o amor e a amizade explodem num momento.

Escrevo aqui, no meu leito nocturno a olhar para a minha almofada e vem-me tantas recordações. Aquelas primeiras de primeiro contacto contigo até ontem, ao toque toque dos corpos.

Terra


Voltaste para a tua Terra. Esta já não brota sem ti. És a primavera que todos os bichos anseiam. As passagens do tempo não voam, são seguidas pelos sinais, finos e delicados do teu corpo. Não vás nunca mais sem mim. A espera fria e escura revela os fantasmas que ficam guardados quando não estás. Este sonho está vivo, vestígios de noite, os nossos corpos no chão, são vestígios de ti. Numa vaga de sentimentos podemos ver o fundo do olhar. Vou crescendo...apanhando todas as pétulas do dia e da noite. Numa noite haverá a loucura dos corpos, próximos, do paradoxo distância virei e aparecerei em vestígios de ti, na tua rua, na tua janela. Entro nas portas andantes que vão a inumeros lugares, obrigado por me acolheres na viagem.

Em Frente


Quero ter o mesmo sonho outra vez, o único em que acordo e estou vivo. Estou a nadar no teu mar e eu sinto as ondas acalmarem-me, suavemente na maresia que me leva à tua maré. Vou em frente. Vou em frente no verso. Amarra-te a mim, num planeta fora de vista, de natureza embriagada e alta. Corpo e alma imortal. Vejo-te numa lente de telescópio crepuscular,a luz de ter ver me breve. Assim como as quatro paredes nos fechem, entre janelas de pura luz lunar. Tudo o que está morto deverá ser cultivado. Aqui estamos. Com cada semente nossa, cada traço teu, puro como ouro;e recito isto em voz alta, grito para o horizonte. Corro para ti. Caem-me gotas que me encharcam a alma, mas de que vale isso perante a unidade? O que vale uma pequena gota perante a imensidão do teu mar?

Dimensões


A noite era escura. Tinha as dimensões do juízo final. O céu sem estrelas era um mar sem farois, imenso, ausente de caravelas ou herois. Noite sem horizonte, sem fio de luz que trace a fronteira do Mundo. Na profundeza da noite desenhava os contornos do meu cais onde jaziam mastros nus na aragem do nevoeiro. Não havia naufragos, nada à deriva, nem falésias escondidas, só luzes que gritavam como farois e o silêncio da noite.

Lux Aeterna


Entro naquele ignóbil casarão. O Outuno rodeia-me e quando abro a porta sinto o respirar velho do passado nas paredes feitas de madeira velha. Ao longo dos corredores ermos, os espectros daquela casa sussuram ao meu ouvido. Oiço os meus próprios passos ecoarem naquele tecto enorme feito de castiçais que a pouca luz que deixam entrar, transformam em escuridão. Um estranho cheiro entranha-se nas narinas perdendo o nosso próprio olfacto. Paro. Fico vazio naquela imensidão de madeira nua que me ressoa agora a uma toada de lenda. Aproximo-me da única janela da casa. Negra com ornamentos de gárgula e acabados em marmore verde escuro. Não se vê nada. Apenas o nevoeiro nocturno que baça a rua. Então de repente, oiço uma melodia aguda, distante. Subo as escadas simétricas em caracol, sobre o castiçal de inúmeras velas e o som fica mais próximo, cada vez mais próximo. Já nem oiço os meus passos, os ecos desvanecem-se no sotão. Vou ter ao quarto antigo e o agudo som vinha de uma caixa de múscia, a única coisa pura naquela escuridão negra.

Sonho


No meu sonho desfilam as visões, espectros dos meus e dos teus pensamentos, sons do sonho, que jaz no contorno da minha almofada, onde sonho e falo contigo. Altas horas da noite, acordo, adormeço, nem sei, estou em transe teu. Não sinto, só sonho sob o teu retrato e de pequenas memórias que ilustram o meu o etu passado. A noite dorme encostada a um sonho, a lua desponta, adormece o vento e começa a chuva. Só para nos deixar sonhar, para sempre.