Pulso


Onde é aqui o centro, onde se respira, a cama limpa o corpo inteiro e nu. Respira o ventre, a vela incha ao sol e ao mar sem fim.

Onde é aqui, a fome nua, o pulsar exacto no centro da alegria, a luz e o olhar aberto ao mar.

Onde é onde a mão sabe a carícia da anca e alíngua fabrica o seu sabor a querer mais. Onde o fogo acende o pulso de ti.

Do teu Calor


Do teu calor me nutro e nutrifico no silêncio da tua espera. Brilha o teu tecido. Há passo de mulher descalça. O mundo é novo. A terra é clara. Eu sou o home que te ama e escuta concentradanebte no teu calor. Oiço a tua unidade plural, tuas marcas fêmeas, tua elegância me nutrem, olhando-te. Construo uma palavra em teu ouvido, alimenta-me do teu mar! Renasço pouco a pouco no teu horizonte dado. Emoção no teu olhar, na tua língua. Constroi-me, construo-te, prazer puro criado.

Amigo

Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra amigo.

Amigo é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!

Amigo(recordam-se vocês aí,
Escrupolosos detritos?)
Amigo é o contrário de inimigo!

Amigo é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.

Amigo é a solidão derrotada!

Amigo é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
Amigo vai ser, é já uma grande festa!


Alexandre O'Neill

O Jogo do Anjo


Soube então que dedicaria todos os minutos que nos restavam juntos a fazê-la feliz, a reparar o mal que lhe fizera e a devolver-lhe o que nunca soubera dar-lhe. Estas páginas serão a nossa memória até que o seu último suspiro se apague nos meus braços e eu a acompanhe mar adentro, onde a corrente rebenta, para mergulhar com ela para sempre e poder finalmente fugir para um lugar onde nem o céu nem o inferno possam alguma vez encontrar-nos.

Carlos Ruiz Zaffon

Encontrar-te


A nudez da palavra que te despe

Que fortifica, corre

Com os olhos dela te quero ver

Que não te vejo

Boca na boca através de que boca

posso eu abrir-te e ver-te?

É meu receio que escreve e não o gosto

Do sol ver-te?

Todo o espaço dou ao espelho vivo

E de ti o escuto

Silêncio de vertigem, grito ao alto

És palavra

À beira de nasceres tua boca toco

E o beijo e já encontrar-te

Grito ao Amor


Mas agora estou no intervalo em que toda a sombra é fria e todo o sangue é puro. Escrevo para não viver sem espaço, para que o corpo não morra na sombra fria. Sou a pobreza ilimitada de uma página. Sou um corpo abandonado. A margem sem respiração. Mas o corpo jamais cessa, o corpo sabe a ciência certa da navegação no espaço, o corpo abre-se ao dia, círculo do próprio dia, o corpo pode vencer a fria sombra da noite. Todas as palavras se iluminam ao lume certo do corpo que se despe, todas as palavras ficam nuas na tua sombra ardente. É urgente o amor. Agora. Espontâneo e mutuo. Para que a pobreza enriqueça em infinitas páginas, para que o corpo abandonado se torne fértil e dê frutos, para que a margem se respiração se torne oceano e nade até à tona da água para poder encher os pulmões de ar, para gritar bem alto a nossa Unidade.