Suave


Diz o meu nome, pronuncia-o como se as sílabas te beijassem os lábios, sopra-o com a suavidade de uma confidência para que o escuro apeteça, para que se desatem os teus cabelos, para que aconteça... Porque sou eu dentro de ti que bebe a última gota e te conduzo a um lugar sem tempo nem contorno. Porque apenas para os teus olhos sou gesto e cor, e dentro de ti me recolho, exausto dos combates que a mim próprio venci. Porque a mina mão procura o interior e o avesso da aparência, porque o que vivo, morre de ser ontem. Inventar, outra maneira de navegar, putro rumo e pulsar para dar esperança aos portos que aguardaram pensativos. No centro da noite diz o meu nome, como se fosse da primeira vez, da mais antiga diferença simétrica e me sobressalte, quando suavemente pronunciares o meu nome.

Quo vadis?


Quo vadis? Status quo, habeas corpus carpe diem. Quo vadis? Cogito ergo sum, habeas corpus acta alea est, bona fide fiat lux.

Antologia


Voltar a percorrer o imenso dos caminhos, reencontrar a palavra sem endereço e contra o peito insuficiente, oferecer a lágrima que não nos defende. Recolher as marcas, os sinais passageiros da loucura e adormecer pela derradeira vez nos lençois que anoitecemos. Reencontrar secretamente o fugaz encanto, o perfeito momento em que a carne tocou a fonte, e o sangue fora de mim, procorou o teu coração primeiro.

Relógio


Nenhum igual àquele. A hora no pulso é furtiva e calma, a hora na incidência da luz é silenciosa. Impossível dormir, se não a escuto. Ficar acordado sem a sua batida. Cada hora é fixada no ar, na alma continuando a sonhar...onde não há mais ninguém, ela chefa e sente a melodia da noite. Som para ser ouvido do tempo da vida. Imenso no pulso, este relógio vive comigo.

Comboio Mágico


Há algo de mágico naquele comboio. As velhas linhas férreas até ao horizonte. Quando se entra na estação surge sempre das falhas entre o comboio e o chão aquele nevoeiro rasteiro circulante que arrepia e com um frio característico de viagem. Desde o início até ao destino pretendendido aquele som, quase melódico do peso do comboio sobre o caminho a tomar. E pela janela podemos ver o nosso reflexo à noite, porém de dia vemos para o outro lado da nostalgia, uma luz eterna de viagem.

La magique Edith Piaf

Cet air qui m'obsède jour et nuit
Cet air n'est pas né d'aujourd'hui
Il vient d'aussi loin que je viens
Traîné par cent mille musiciens
Un jour cet air me rendra folle
Cent fois j'ai voulu dire pourquoi
Mais il m'a coupé la parole
Il parle toujours avant moi
Et sa voix couvre ma voix
Padam...padam...padam...
Il arrive en courant derrière moi
Padam...padam...padam...
Il me fait le coup du souviens-toi
Padam...padam...padam...
C'est un air qui me montre du doigt
Et je traîne après moi comme un drôle d'erreur
Cet air qui sait tout par cœur
Il dit: "Rappelle-toi tes amours
Rappelle-toi puisque c'est ton tour
'y a pas d'raison pour qu'tu n'pleures pas
Avec tes souvenirs sur les bras...
" Et moi je revois ceux qui restent
Mes vingt ans font battre tambour
Je vois s'entrebattre des gestes
Toute la comédie des amours
Sur cet air qui va toujours
Padam...padam...padam...
Des "je t'aime" de quatorze-juillet
Padam...padam...padam...
Des "toujours" qu'on achète au rabais
Padam...padam...padam...
Des "veux-tu" en voilà par paquets
Et tout ça pour tomber juste au coin d'la rue
Sur l'air qui m'a reconnue
...
Écoutez le chahut qu'il me fait
...
Comme si tout mon passé défilait
...
Faut garder du chagrin pour après
J'en ai tout un solfège sur cet air qui bat...
Qui bat comme un cœur de bois...

Gota

Penetra na pele
O negro mais negro
Do que já foi
Se o que em ti
Tem outro verso
Que rasgues com a
Mais afiada faca

Cara memória
Que no primitivo
Escrever era o refúgio
Onde abrigavas
Gota de compreensão

A Saudade vem enrolada
Em misteriosos trejeitod
E bate sem avisar.

Que ser?


Nada grita tão frio
Como a mais cruel sensação
Do sonho real
Esquecido no chão dos imortais

Sabe-se que transmite medo
Alegria, desejo ou ira
Mas este, de todas as percepções
Desejo que seja mentira

Ver-te entre outros versos
Ou amares mais
É a sintonia desfeita
Inquebrável, porém partida

Sabes o que é querer voltar ao toque?
Para remediar a frieza
Mostrar-te o verdadeiro sentimento
Que não sei exprimir

Tive esta opurtunidade...
Quer ser sou eu?
Que nem capaz de demonstrar amor sou?
Sei, mas não de maneira que te completa

Não consigo imaginar
Nem visualizar
Tiraram-te a flor que não eu...
Agarrares o corpo e dizer que amas
Soltares os orgasmos
Que não foram soltos
Que te entregues totalmente

A Janela Existe


Janelas que espelham o que é nosso. Espeham tudo. Nosso medo, nosso choro, molduras para os espaços ambíguos que aceitam enquadrar-se pelo tempo de uma contemplação. À flor da janela, uma imaginação encostou para acenar a outra. A janela está à frente e por detrás dela, não há detrás, há outra janela, e outra e outra. No mesmo enquadramento, na mesma dimensão num plano único. A janela está suspensa no espaço, guarda-vento para não entrar nem sair. Não precisamos que nos batam com ela, que para quem respira o mesmo ar, A Janela Existe.