Pergunto-me


Pergunto-me quem sou agora. Mesmo sem obter resposta tento encontrá-la. Da inexistência do ser surgi, feliz, inocente talvez para um agora passado que parecia reluzente. E agora pergunto-me. Sou menos? Ou mais? Agora no futuro que parecia distante e infinito pergunto-me. Será aquele passado tão distante que me faça ignorar esse enaltecimento? Ou foi esse passado que me fez ver agora no futuro o que era verdadeiramente esse passado. Pergunto-me. O que sinto, como penso, o que me tornei ou o que sou. Mudado sim, pois ao tempo nada é impune. Mas da inexistência à luz e da luz para a treva haverá assim tanta diferença? Pergunto-me como seria se não estivesse neste futuro. Nada é certo e o tempo pouco de novo me trouxe. Permaneço neste espaço nu. Pergunto-me agora no Presente, pergunto ao futuro se era o mesmo sem o passado e pergunto ao passado se queria este futuro.

Meditação do Duque de Gândia

Nunca mais
A tua face será pura, limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.

Nunca mais servirei Senhor que possa morrer.
A luz da tarde mostra-me os destroços
Do teu ser. Em breve a podridão
Beberá os teus olhos e os teus ossos
Tomando a tua mão na sua mão.

Nunca mais amarei quem possa viver
Sempre.
Porque eu amei como se fossem eternos
A glória, a luz e o brilho do teu ser,
Amei-te em verdade e transparência
E nem sequer me resta a tua ausência,
És um rosto de nojo e negação
E eu fecho os olhos para não te ver.

Nunca mais servirei Senhor que possa morrer.


Nunca mais te darei o tempo puro,
Que em dias demorados eu teci.
Pois o tempo já não regressa a ti,
E assim já não regresso e não procuro,
O Deus que sem esperança te pedi.

Sophia de Mello Breyner Anderson