Navegadora


À volta de mim há a penumbra, com respirações anelantes e súbitas, impulsões, desnorteadas na longa viagem. Quando me sento no vagão, sinto um calafrio que me abre o sonho. Fecho os olhos e uma canção ouve-se suavemente dentro de mim, então o universo organiza-se em volta de mim e a tua voz me declina. Fecho os olhos e saboreio a obscuridade que se faz dentro de mim, saboreio essa certeza de unidade junta. Fecho os olhos, abro os olhos: a minha vida já não é senão este bater e palpebras que me enche e ti, doce e morno no meio da felicidade. Os objectos que se acumulam, os seres que nos maçam, que nós expelimos metaforicamente pelo corpo, regressam à sua existência fora de mim, de mim repelidos, trivializados, decaídos, pela rejeição que recebem de mim. Do meu corpo há a emanação de um orgulho desmedido, de uma consciência que se imagina soberana. Mas pelo contrário, aquela Navegadora, entra-me pela alma, inunda-me o olhar, enche-me e águas lentas a minha alma.

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