Defesa do Sublime


Quero este poema no lugar do sublime,com uma cadeira de névoa ao colo da estátua e os seios de erva tingidos de púrpura. Puxoa túnica até à abertura do ventre; e roubo ao interior de pedra um desenho etéreo,como se o paraíso estivesse no centro do umbigo, inscrito na massa obscurado amor. Moldo-a com as mãos da alma,esculpindo um corpo. Por vezes, apercebo-meda sua respiração, de um palpitar de artériasno interior do mármore. Ouço um desejo fremente, o choro de êxtase que antecipa o esgotamento, o sussurro que permaneceno ouvido quando o sol se esvai num horizonte de cortinas, e os vidros reflectemos amantes. E dou-lhes o lugar que o sublime habita, com o seu rosto trabalhado pelo cinzel do sentimento, raspando a cal do sonhoaté deixar entrar a água da vida: a doceagitação de um abraço, o perfil entrevistonuma humidade de travesseiros, lábiossubindo a breve colina das pálpebras. Canto,então, este canto que se prolonga no corredor do poema, atirando para o lado os obstáculos da indecisão, abrindo labirintos e becos, até às portas de argila da memória. Abro-as com a chave dos murmúrios que me emprestaste, rodando-a com os dedos do silêncio; e encontro a tua voz, com o seu fogo de sílabas, e um ritmo de luz em cada palavra. Trata-se de um lugar sublime, esse em que a mulher límpida se senta, limpando a névoa desta casa com a sua esponja de linguagem, numa sofreguidão de segredo que o verso ecoa.

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