A Primeira Guitarra


Os dedos deslizavam pelas cordas, ásperas e fortes. Se nos apróximassemos sentiamos aquele cheiro intenso e metálico, oriundo daqueles finos cabos de aço.
Cada nota uma paixão, cada toque um sentimento. E todas estas paixões e sentimentos, não eram mais que um juízo, uma consciência, opinião ou valor, da realidade. Mas compunham uma melodia. Melodia essa, que fluía através de uma bonita caixa de madeira, tão trabalhada e ornamentada, toda envernizada, e enfeitada com pequenos desenhos clássicos e rústicos, que traçavam um círculo perfeito, repleto de pormenor.
Aquele som preenchia-nos. Preenchia-nos aquele vazio, o mais negro e obscuro, no canto mais longínquo e remoto da nossa alma, do nosso imaterial.
As notas soavam tristes, tal como quem as entoava. Mas ao tocar, esquecia-se de quem era. Lembrava-se de um outro. Um outro que ia ao céu para não mais voltar.
Um Dia Saramago

0 comentários: