O Mar

- Pai, o que é o mar?
- O mar? Não há coração que aguente a beleza dessa extensão azul, que respira aos nossos pés, como um bicho adormecido ou uma alma inquieta. Agora azul, agora calmo, agora convidando-nos a mergulhar, a receber os seus afagos, logo tenebroso, cinzento, verde-escuro, repelindo-nos com fúria, ameaçando-nos com ódio. Cheio de segredos e de seres inacreditáveis, de formas alucinadas ou grotescas, deslumbrantes ou assustadoras. Dono do sal e do peixe, dos tesouros afundados que avarmente esconde. Tão maravilhoso que os olhos se perdem na sua vastidão até ao horizonte e dá-nos este desejo de partir, esta saudade ao contrário, do que ainda não vivemos. O mar chamando-nos. Tão azul e tão nosso, que todos nos sentimos com direitos adquiridos sobre o seu corpo tentador, desde que uns loucos se atreveram a tentar dominá-lo. E contra ventos e marés apontaram o desconhecido, porque a voz do mar os chamava e os compelia a ir além.
- Pai, mas o que é o mar?
- Olha para dentro de ti e terás a resposta, tanta água, tanto sal, tanto sonho, tanto mal e tanto bem. O mar é tão profundo e instável como o coração do Homem.

- Pai, quero ser barco.

3 comentários:

Antônio Moura disse...

Lindo post. "Saudade ao contrário", "Saudade do que ainda não vivemos". "Pai, quero ser barco" e viver sobre estava vastidão que ora me abirga, ora me ataca com fúria. Melhor que viver atracado.

TriMind disse...

Tentámos encontrar palavras que fizessem jus à qualidade deste blog mas entre nós só encontramos uma que achámos que o descrevia perfeitamente:
Espectacular!

Muitos parabéns e esperemos que continues preso a essa "outra dimensão da escrita mais primórdia e actual".

Um grande abraço da TriMind.

HerbertoBC disse...

Uau, fiquei boquiaberto, parabéns, está mesmo muito bom!